Em entrevista, Patrick Morais de Carvalho, presidente do Belenenses, passa em revista a época da equipa de futebol, revela pormenores sobre o planeamento da época em curso, e traça uma visão sobre o futuro – que, acredita, passará pela participação na Liga 2 em 2023/24. Revela que vai pedir antecipação das eleições de Outubro para Julho, de modo a permitir que o seu sucessor e a nova Direcção iniciem a nova época desportiva, e faz radiografia ao momento actual do clube.
A ÉPOCA DA EQUIPA DE FUTEBOL NA LIGA 3
“Chegar à Liga 2 sem hipotecar o futuro”
No início da época concedeu uma série de entrevistas onde chamou a atenção para o equilíbrio da competição e para as dificuldades que o Belenenses ia encontrar, chegando a dizer que se ficasse 2 ou 3 anos na Liga 3 o clube estaria preparado para isso. Muitos acharam que as suas declarações não eram adequadas à realidade porque entendiam que o Belenenses ia ser dominador na Liga 3, e que essas declarações tinham como único intuito tirar pressão da equipa e baixar as expectativas dos sócios…
Nessa entrevista limitei-me a ser realista. Nunca disse que a nossa intenção era ficar 2 ou 3 anos na Liga 3, antes pelo contrário. O que disse foi que, se isso acontecesse, o clube estaria preparado para esse cenário. Disse também outra coisa que era algo que as pessoas podiam não gostar, mas que podiam ter como certo: não iríamos fazer como no passado e gastar mais do que aquilo que conseguimos produzir com os nossos meios.
No entanto, como não podia deixar de ser, internamente definimos desde a primeira hora um objectivo principal e assumido por toda a estrutura do nosso futebol: ficarmos nos 4 primeiros para, desde logo, ficarmos a salvo de uma descida de divisão que este ano é uma questão particularmente delicada para todos os competidores da Liga 3, tendo em conta a quantidade de clubes que vão descer ao Campeonato de Portugal. Esse primeiro grande objectivo felizmente está cumprido.
Mas concorda que depois de um óptimo arranque de Liga 3, com três vitórias e dois empates nas primeiras 5 jornadas e ainda a vitória sobre o Torreense, da Liga 2, para a Taça de Portugal, as suas palavras do início da época, que alertavam para as dificuldades da Liga 3, pareciam desajustadas?
Quem está dentro do convento é que sabe o que lá vai dentro, costuma dizer o povo. Para além de todos sabermos que a Liga 3 era e é a competição mais equilibrada de Portugal (onde 80% dos jogos se decidem pela margem mínima), quando começámos ainda na época passada, juntamente com o Taira e o nosso gabinete de scouting, a preparar esta temporada deparámo-nos com muitas dificuldades na abordagem ao mercado. Tínhamos um orçamento definido, os alvos identificados, mas tendo em conta, por um lado, que esse orçamento era especialmente modesto para este contexto de Liga 3 e, por outro, o facto de não pagarmos comissões a empresários, alguns dos jogadores que queríamos trazer, pura e simplesmente, perdemo-los para a concorrência. Tendo em conta aquilo que nos era transmitido por esses jogadores relativamente às suas aspirações financeiras, começámos a ter uma noção clara de que a grande maioria das equipas da Liga 3 tinha um orçamento largamente superior ao nosso. Perdemos jogadores para alguns dos nossos competidores directos e, em alguns casos, lembro-me de dois em particular, foram receber praticamente o dobro daquilo que era a nossa oferta. A partir dessa realidade percebemos que teríamos de fazer mais com menos e que teríamos de ser altamente criteriosos no ataque ao mercado.
Como foi essa preparação da época?
Transitaram 10 jogadores da época do Campeonato de Portugal, dois dos quais que vêm desde o primeiro dia desta epopeia que são o Serra e o Alex, tínhamos mais quatro com contrato para a presente época que emprestámos (Valverde, Zé Pedro, Duarte Henriques e Rui Pereira) e promovemos três juniores à equipa principal que foram o Teopisto, o Pedro Carvalho e o Moninhas. Foi com esta base, em que acreditávamos, que partimos para a construção do plantel. A partir daí, e dentro do nosso orçamento, reforçámos com atletas com o perfil humano, social e futebolístico que encaixassem na nossa ideia para a Liga 3.
Trouxemos experiência da Liga 3 como Grilo, Romário, João Sousa e Hélio Cruz; miúdos em destaque no anterior Campeonato de Portugal como Daniel Azevedo, João Costa, Afonso Simão, Miguel Lopes, Miguel Tavares e Wagner; fomos buscar o Martelo ao Paços de Ferreira, que depois de uma óptima pré-época percebemos que iria ter lá pouco espaço e fizemos um esforço para o trazer; e veio ainda o Xavi Fernandes, com andamento de II Liga e com um talento que sabíamos que nos iria ajudar.
E depois, a escolha do treinador que é, para mim, em termos desportivos, o acto de gestão mais importante de um presidente e de uma Direcção.
Escolhemos o Bruno Dias, depois de no defeso termos tido reuniões com vários treinadores. Essas reuniões foram muito úteis pois ficámos com um conhecimento muito profundo do trabalho que esses treinadores e as suas equipas técnicas desenvolvem. Conscientemente escolhemos o Bruno Dias e com ele a sua equipa técnica e com estes jogadores que têm carácter, talento e brio, fizemos 19 pontos na primeira volta do campeonato.
Certo. Mas depois, entre a 11ª e a 16ª jornada, o Belenenses em 18 pontos possíveis fez 4 pontos e a contestação instalou-se. A luta pela subida parecia perdida e, de repente, a equipa arrancou para uma série em que conquistou 4 vitórias consecutivas e está entre as que vão disputar a subida à II Liga. Qual o segredo desta reviravolta?
No futebol é muito difícil as equipas manterem sempre fases positivas ao longo de uma época inteira e é preciso termos essa consciência. Esse período negativo curiosamente começou com uma exibição muito boa contra o Alverca, no Ribatejo, onde perdemos por 1-0 mas foi um daqueles jogos em que, tendo em conta o que se passou, empatar já era injusto, quanto mais perder. Depois, na Académica, empatámos cedendo um penalty nos descontos; contra o Real fizemos um jogo muito mau e penso que foi o jogo que mais marcas negativas nos deixou a todos. Ganhámos ao Oliveira do Hospital confortavelmente embora tenhamos entrado no jogo a perder e depois, tendo perdido na Amora e em casa com o Leiria, percebo que se tenha instalado a desconfiança nos nossos adeptos. Sou sensível a isso e sou o primeiro a colocar-me ao lado das preocupações dos sócios. Segredos para a reviravolta não há, o que houve foi uma conversa franca entre mim, o treinador e o Taira, na semana que antecedeu o jogo em Alcochete com o Sporting B, em que abordámos uma série de questões e tendo em conta todos os indicadores que tinha em meu poder e a postura revelada pelo Bruno Dias acreditei que era com ele e com a sua equipa técnica que íamos arrepiar caminho da série de resultados menos positivos que estávamos a ter. Felizmente o meu feeling estava certo e em conjunto fomos capazes de superar as dificuldades.
Nessa fase negativa houve muita pressão de alguns adeptos para que o clube mudasse de comando técnico. Apesar disso, e se calhar contra todas as expectativas, manteve sempre a confiança em Bruno Dias. Que importância tem para o presidente a opinião que vem das bancadas?
A questão não pode ser colocada assim. Eu estou sempre do mesmo lado da barricada dos sócios. O presidente e os sócios estão do mesmo lado, não estão em campos opostos. O que os sócios escrevem e dizem não me passa ao lado, ajuda na reflexão e introspecção em vários momentos. Agora, o que digo é que no dia em que quiserem que sejam os sócios e a bancada a decidir quem é o treinador, o roupeiro ou o ponta de lança, é muito fácil: vou-me embora e escolhem um outro presidente com esse perfil. O que acontece é que sou dirigente, neste momento até sou o dirigente máximo do clube, e por isso não só tenho acesso a informações de que os sócios não dispõem como estou obrigado a pautar as minhas decisões com um misto de racionalidade e emoção e não apenas com emoção.
Temos critérios muito objectivos e pragmáticos de análise ao trabalho dos treinadores e, relativamente ao Bruno Dias, vejo um treinador muito estruturado, com uma boa liderança, sério no seu trabalho, bem acompanhado por uma equipa técnica competente e sempre o vi, mesmo nesse período negativo, com a chama e a força interior para reverter os resultados menos positivos. É evidente que como todos os treinadores está refém dos resultados e fruto dessa máxima estivemos todos debaixo de fogo no jogo que realizámos em Alcochete. Jogo que acabámos por ganhar em condições muito adversas, com uma expulsão injusta aos 5 minutos de jogo, mas que para além dos 3 pontos nos trouxe um forte reforço da coesão do grupo já que revelámos um colectivo de grande carácter coroado com aquele pontapé fantástico do Flavinho. Esse, para mim, foi o momento mais determinante da época até ao momento.
Insistimos: mas como se lida com essa pressão enorme que vem das bancadas e das redes sociais?
Bom, já levo 9 anos disto e para além desta quase década no Belenenses, ando no associativismo praticamente desde os 16 anos, a liderar Associações de Estudantes e Associações Académicas, liderei também empresas durante mais de uma década com muita gente sob a minha responsabilidade. Vou tendo uma carapaça razoável para esse tipo de coisas. Parto do princípio de que todos têm amor ao clube e que têm o direito de opinar. Nenhum problema quanto a isso.
No caso do Belenenses, o que mais me custa a entender é que depois de várias e fundamentais vitórias estruturais que conseguimos para o clube durante estes 9 anos possa haver sócios e adeptos que venham colocar tudo em causa por causa do treinador ser A ou B, ou por causa da bola entrar ou bater na trave. Mas é a vida e há que saber lidar com isso. Também por vezes fico desapontado por haver algumas pessoas que, embora com todo o direito, não são capazes de dar mérito ao nosso treinador e aos nossos jogadores pela posição que ocupamos e pelos 35 pontos que conquistámos em circunstâncias nem sempre fáceis. Ou essas pessoas não compreendem as circunstâncias em que estamos ou não querem compreender. Temos de aceitar todas as críticas, cerrar fileiras e ir em frente. É o que temos feito e vamos continuar a fazer.
A chegada de reforços no mercado de inverno parece ter trazido outra dinâmica à equipa e agora a inclusão de jogadores como Chaby e Heldon parece dar outro estofo competitivo. Este grupo tem qualidade para atacar a subida de divisão?
Tínhamos programado no início da época um orçamento e guardámos umas balas para disparar em Dezembro, Janeiro, para com toda a determinação atacar a subida de divisão.
Foi isso que fizemos. Em Janeiro, o mercado, ao contrário do início da época, é um mercado de oportunidade na medida em que como não temos dinheiro para contratações só podemos contratar jogadores que se apresentem livres. Em Dezembro e Janeiro foram-nos oferecidas dezenas e dezenas de jogadores nessas circunstâncias. Tivemos por onde escolher e optámos por aqueles que encaixavam nas posições e no perfil técnico, humano e orçamental que queríamos.
Com franqueza, penso que acertámos a 100%.
Chima Akas, internacional A nigeriano, e o Midana Sambú, campeão da Liga 3 na última época, chegaram e pegaram praticamente de estaca. O Pala foi um processo muito moroso mas é um atleta que nos traz muita experiência e uma polivalência fantástica no sector defensivo. Depois, a oportunidade de podermos trazer o Guilherme Oliveira, também ele campeão da Liga 3 da última época e que nos veio contrabalançar o azar que se abateu sobre o Daniel Azevedo. E por fim, a cereja no topo do bolo, o Filipe Chaby e o Heldon, vindos de experiências no Azerbaijão e na Arábia Saudita e que são atletas que dispensam apresentações, que em condições normais nunca jogariam na Liga 3 mas que aceitaram fazê-lo por acreditarem muito no nosso projecto, ainda que fazendo um esforço financeiro tremendo. Estou-lhes muito grato por isso e espero que tenham sorte e nos possam ajudar.
Qual é o real custo da equipa de futebol esta época e em que medida se compara a outros adversários da Liga 3?
O nosso orçamento global incluindo tudo o que envolve a equipa de futebol desde inscrições, seguros, vencimentos com jogadores e equipa técnica, encargos com segurança social e autoridade tributária, transportes, alimentação, posto médico, policiamento, organização de jogos, tratamento do relvado, equipa B, reforços de janeiro e jogos da fase de subida, vai atingir um valor entre os 675.000 € e os 690.000 €. Não tenho qualquer dúvida de que se trata de um dos orçamentos mais baixos da Liga 3, considerando as vinte e quatro equipas da competição.
Subir de divisão será o fechar com chave de ouro de uma época sofrida. Não subir será um fracasso?
Todas as equipas que estão na fase de subida têm a ambição de subir e nós não fugimos à regra. Claro que queremos subir e queremos muito. Desde o primeiro dia de trabalho da presente temporada que no interior do grupo de trabalho essa ambição está lá. Aliás, vou confidenciar-vos uma coisa: quando apertei a mão ao Bruno Dias para ser o nosso treinador a primeira coisa que me perguntou foi qual era o prémio de subida.
Subir e não subir apresentam desafios que pedem respostas distintas. Comecemos pelo que significará continuar na Liga 3: qual o peso financeiro e desportivo desse cenário?
Este ano temos várias equipas na Liga 3 com orçamentos entre 1 milhão e 1,5 milhões de euros e mesmo essas equipas não conseguem atropelar ninguém. Não são só os orçamentos que ditam quem sobe de divisão. Nunca vi nenhum saco de dinheiro marcar um golo, isso não existe. No entanto, em princípio, os que dispõem de mais recursos financeiros, se trabalharem bem, podem, do ponto de vista teórico, montar melhores plantéis. Mas para se subir, para se ter uma equipa forte e um grupo unido, há várias coisas que são mais importantes do que o dinheiro. Esse know-how nem todas as equipas de gestão conseguem ter e transmitir aos grupos. Francamente, acredito que nesses aspectos somos muito fortes.
Jogar mais um ano na Liga 3, sendo competitivo e andando a morder os calcanhares da subida, implica um orçamento mínimo para o futebol na ordem do que temos este ano.
Isso implica termos uma Direcção proactiva, que todos os meses encontre forma de canalizar para o clube várias dezenas de milhares de euros de receitas extraordinárias. Tem sido esse o segredo das minhas direcções desde 2014, e especialmente desde 2018, e quem vier a seguir tem de continuar nessa senda pois se tivermos uma direcção que fique com os braços cruzados, não tenha contactos e não tenha essa capacidade de angariar mensalmente receitas extraordinárias, corre o risco de entrar rapidamente em incumprimento generalizado e daí a entrar em pânico é um pequeno passo.
Subir, por outro lado, coloca o clube num patamar de exigência para o qual o orçamento existente é curto. Subir da II Liga à I Liga pode custar 2, 3, 4 ou 5 milhões e mesmo assim nada é garantido. O Belenenses tem este ano um orçamento na casa dos 675.000 € com o futebol. Como se dá um salto destes sem destruir as contas do Belenenses e hipotecar o futuro?
Subir à II Liga será fantástico para a história única que estamos aqui a construir. Conseguindo-se esse objectivo, a vida do clube fica mais facilitada em todos os sentidos. Acredito, desde sempre, que com menos temos a capacidade de fazer mais. Subindo de divisão estaremos sentados à mesa dos operadores de audiovisuais numa altura em que se discute a questão da centralização desses direitos. Essa é uma matéria que é de grande interesse para todas as sociedades desportivas da primeira e da segunda liga.
A CENTRALIZAÇÃO DOS DIREITOS TELEVISIVOS
“Com a actual distribuição de receitas a Liga portuguesa não se vende a ninguém de Badajoz para lá”
Qual a sua opinião sobre este tema da centralização dos direitos televisivos?
O decreto-lei que está em vigor, que fará dois anos agora em Março, determina que até ao final da época 2025/2026 a Federação Portuguesa de Futebol e a Liga Portugal terão de apresentar uma proposta à Autoridade da Concorrência, que terá de se pronunciar. Isto para que, a partir da época 2027/2028, avance a chamada centralização dos direitos televisivos e multimédia. Estes prazos podem ser antecipados mas, em princípio, nunca ultrapassados. Aquilo que se constata nos dias de hoje é que Benfica, Porto e Sporting recebem o dobro da soma de todas as outras SAD das duas ligas profissionais. Isso acarreta um profundo desequilíbrio à competição e torna-a invendável para além de Badajoz. Acredito que estes três pensem que quanto mais tarde avançar a centralização melhor para as suas aspirações mas, se pensam assim, acredito que estão enganados. Cada ano que passa sem centralização é mais um ano de contribuição para a morte das nossas ligas profissionais e para a sua falta de competitividade.
Temos pelo menos que seguir o modelo espanhol onde, em média, os clubes médios recebem cerca de 35% do que recebem Real Madrid e Barcelona.
E onde entra o Belenenses nesta história?
O Belenenses terá de apanhar esse comboio. Na II Liga, se lá estivermos, teremos capacidade pelos nossos meios, com essa receita e com outras, de construir um orçamento para nos batermos com toda a dignidade e podermos sonhar. A questão é que sendo nós o Belenenses, os sócios e os adeptos querem uma autoestrada, o tal TGV que foi mal interpretado quando a ele me referi. Um TGV sem paragem nas estações e nos apeadeiros que nos leve rapidamente à I Liga. Espero sinceramente que essa ansiedade, essa falta de paciência, não volte a atirar o clube para o abismo porque isso seria tremendamente inglório para todos os que acreditaram neste caminho único e digno que estamos a fazer e na tremenda recuperação financeira que fomos fazendo nestes anos.
O GRANDE DESÍGNIO DO BELENENSES
“A prioridade é óbvia: colocar a equipa na Liga 1”
Pode-se então dizer que o seu grande desígnio, a sua grande prioridade, é colocar o clube na 2ª Liga no fim desta temporada?
Se quiser, posso dizer que entendo que temos de ter, e temos, um desígnio político que passa por chegar à I Liga, um desígnio económico, que passa por garantir sustentabilidade, ter um passivo controlado e distribuir dividendos numa futura sociedade desportiva, e um desígnio social, que passa por aumentar a base de sócios e reabilitar as nossas infraestruturas desportivas para serviço dos nossos atletas e da comunidade. Tudo isto por oposição a uma crónica dependência orçamental das piscinas, do bingo e das receitas de TV. Tivemos nos últimos anos uma política de combate ao passivo e orgulhamo-nos muito disso. Temos de conseguir estes objectivos casando-os com a prática desportiva eclética que é apanágio do nosso clube. Só vale a pena apostarmos mais em marketing, comunicação e merchandising se tivermos uma marca forte e respeitada. O capital de respeito que o Belenenses ganhou na sociedade civil portuguesa com esta caminhada desde a 7ª divisão é um capital que não nos podemos dar ao luxo de desperdiçar. Espero que o clube e os sócios tenham essa capacidade de não delapidar este precioso património imaterial.
SAD OU SDUQ? QUAL O FUTURO?
“Independentemente do modelo societário uma coisa é certa: clube deverá ser sempre maioritário”
Subir obriga à constituição de uma sociedade desportiva. Há um plano de acção? SAD ou SDUQ?
Com a nossa subida às ligas profissionais teremos de virar mais uma página na nossa história mas sobre esse tema, da forma societária a adoptar, os sócios é que vão decidir. Da minha parte entendo como absolutamente fundamental que, caso o Belenenses opte pelo modelo de SAD, tenha sempre o seu controlo e a maioria do capital e que sejam criados mecanismos reais que permitam garantir estas premissas. Não aceito que se volte a permitir que um qualquer investidor privado tenha a maioria do capital e lhe sejam entregues, sem mais, as decisões da política desportiva da nossa equipa sénior.
Durante algum tempo firmei a convicção de que o clube chegaria de novo à I Liga só com os seus meios próprios. Duas coisas parecem estar a aliar-se para que assim não seja: por um lado, os atrasos no processo de requalificação que não são da responsabilidade do clube, nem dos seus parceiros, e que têm obstado a que importantes fontes de receita e de sustentabilidade do clube se estejam a concretizar em tempo útil. Por outro lado, o não querermos abrandar o nosso percurso desportivo também nos leva a procurar um caminho que nos garanta a continuidade do nosso percurso até porque sabemos que a nossa massa associativa anseia por esse regresso o mais rapidamente possível.
Se o clube optar por formar uma SAD, deve abrir as portas a investidores externos?
Nunca em momento algum me bati contra as SAD, aliás vivemos num país em que estamos sujeitos à legalidade e em que para se participar em competições profissionais há a obrigatoriedade da constituição de um modelo societário que poderá ou não ser uma SAD. E nós queremos o Belenenses nas competições profissionais.
Bati-me sempre, isso sim, contra o Regime Jurídico vigente. Com a actual revisão da Lei das Sociedades Desportivas, para a qual o Belenenses dentro das suas possibilidades contribuiu activamente com várias sugestões e ideias que acabaram por ser praticamente todas acolhidas, podemos ter a partir daqui uma segurança maior relativamente aos perfis de investimento que possam chegar a Portugal.
O novo Regime Jurídico das Sociedades Desportivas passa a ter um regime sancionatório que não tinha, passando a punir quem incumprir as regras. Foram dados passos significativos para que os parceiros dos clubes, os chamados investidores, sejam bons investidores e tragam bom investimento, daqueles que investem para rentabilizar e não daqueles que parasitavam os clubes.
Há novas regras de idoneidade para investidores, para administradores das SAD e para gerentes das SDUQ sendo que, daqui para a frente, não será qualquer um que poderá ocupar esses cargos. Isso é um avanço muito grande no sentido de serem afastados aventureiros e gente sem o mínimo de condições e qualificações para o exercício de cargos. É criada uma Plataforma de Combate à Manipulação das Competições Desportivas que terá competências muito importantes e cuja simples existência, acredito, afastará a má moeda do futebol português.
Posto isto, o Belenenses terá de constituir um de três modelos societários: SAD, Sociedade por quotas ou SDUQ. Nos dois primeiros modelos poderá haver parceiros minoritários do clube na sociedade, o que não me repugna desde que o clube mantenha sempre a maioria do capital social. Se a opção for a SDUQ o clube será o sócio único.
De qualquer forma, a decisão será sempre dos sócios do clube.
Mas qual desses modelos merece a sua preferência?
O Belenenses tem hoje para oferecer o que mais ninguém tem. O passivo do clube é muito baixo e está disciplinado, a equipa de futebol terá de constituir-se numa sociedade e iniciará o caminho limpa de dívidas. Temos mais de 100 anos de história, massa adepta, um percurso do qual nos orgulhamos, um estádio como há poucos no mundo e uma localização privilegiada numa cidade que atrai cada vez mais gente. Em breve estaremos na I Liga de um país que é um dos maiores exportadores de talento e que se prepara para crescer com a centralização dos direitos televisivos.
Quando em 2018 iniciámos este caminho, a nossa visão era a de chegar à I Liga com recursos próprios, o mesmo queria dizer através de uma SDUQ. O plano estava montado e era possível. Teríamos de ir casando a cada instante os passos desportivos com a requalificação do Complexo do Restelo. A verdade é que, em 2023, temos o Lidl construído mas ainda por abrir. Estamos com dois anos de atraso. Lidl e Belenenses tudo fizeram, cumpriram tudo o que foi pedido, mas os projectos não avançaram ao ritmo das capacidades dos parceiros. Estão no caminho certo e serão concluídos, mas esta via não se concretizou no calendário previsto. Por isso, respondendo à questão, não excluo que venham a juntar-se a nós um ou vários parceiros estratégicos que nos permitam ter maior autonomia para competir. Uma coisa é certa, o clube nunca poderá perder a maioria do capital social da sua sociedade desportiva para o futebol.
Tem recebido abordagens de interessados numa futura SAD?
Muitas. Aparece gente de todo o lado. Raramente ouço as pessoas e quando o faço é normalmente por uma questão de urbanidade e educação, mais para ouvir os pontos de vista e os propósitos. Já me vieram prometer mundos e fundos, príncipes das arábias e multimilionários americanos. Gostava que todos percebessem que foram as promessas de grandeza sem fundamento e a falta de um plano estratégico que nos levaram à situação em que nos encontramos. E é isso que todos temos a obrigação de perceber e trabalhar para impedir que se repita. Primeiro temos de ter uma coisa estruturada e depois conversar, se vier a ser essa a opção de termos parceiros minoritários.
Mas qual o perfil de um eventual parceiro ou parceiros minoritários que possam interessar ao Belenenses?
O Belenenses não está à deriva à espera que alguém o salve. O Belenenses tem o melhor produto português em mãos e saberá, no momento certo, valer-se disso. A haver algum parceiro ou parceiros terá de ser gente que seja séria e que compreenda a nossa história e o nosso percurso dos últimos anos. Somos um clube que sangrou muito nos últimos anos, que está ainda muito dorido e que é um clube com uma massa associativa muito especial. E é por isso que defendo que o Belenenses a ter algum ou alguns parceiros deve escolher e identificar após separar o trigo do joio. Quem chegar, e se chegar, tem de se identificar com o nosso trajecto, querer crescer connosco, perceber que o sucesso do clube é o seu sucesso. Tem de trazer-nos recursos complementares àqueles que o clube tem e não falo exclusivamente de capital financeiro. Tem também de ajudar-nos em áreas complementares àquelas que temos. Para um dos grandes clubes de Portugal, não podem ser menos do que grandes parceiros, entidades cuja credibilidade seja reconhecida sem desconfianças. O Belenenses não sobrevive a outra queda como a que deu em 2012 e cabe-nos, hoje, criar as condições para que tal nunca mais aconteça.
A EQUIPA B DE FUTEBOL NO DISTRITAL DA AFL
“Equipa B e a formação são pilares estruturantes do nosso projecto desportivo rumo à liga 1”
Ainda no futebol. Qual o balanço da equipa B? Foi aposta ganha? Que visão tem do projecto?
A equipa B é um projecto absolutamente estruturante para o edifício do nosso futebol, que começa nos escalões mais baixos da formação e vai até à equipa A. A ideia é termos a capacidade de absorver os jogadores mais talentosos da nossa formação numa antecâmara da equipa A, uma equipa B, um lugar onde possam ter 2/3 anos de maturação para crescer junto do nosso processo e das nossas ideias e poderem em simultâneo estar sempre a um pequeno passo da equipa A. Quanto mais acima esta equipa estiver, a ideia será parqueá-la no Campeonato de Portugal o mais rápido possível, mais fácil será segurarmos os melhores da nossa formação e aqui é imperioso elogiar o trabalho realizado na nossa formação, sob a liderança técnica do Prof. João Raimundo, nos últimos 10 anos.
Este ano montámos esta equipa B com jovens a quem agradecemos muito por terem acreditado na nossa visão, pois todos aqueles que eram nossos juniores no ano passado tinham convites para jogarem em divisões acima e optaram por ficar no Belenenses.
Este espaço competitivo tem sido muito útil ao clube, pois tem dado espaço a jogadores da equipa A, como o Teopisto, o Alex Figueiredo, o Tiago Lopes, o Pedro Carvalho e o Moninhas, e foi um espaço fundamental, a dada altura, para a recuperação do Dida. Esta equipa tem no seu activo um conjunto de jogadores que aceitaram dar a cara pelo projecto, atletas que têm em comum o facto de alguns deles terem dez ou mais anos de Belenenses na sua formação: falo do Tomás Ferreira, do Martim Carvalho, do Guilherme Lopes, do Ricci e do Luisandro a quem agradeço terem ficado connosco e prestarem-nos este serviço sabendo que estão a lutar pelo clube do seu coração, onde se formaram como atletas e como homens. Depois temos um conjunto de jovens promessas recrutado em clubes de menor nomeada, num trabalho de recrutamento fantástico dos técnicos Samuel Costa e Bernardo Ribolhos.
Em termos orçamentais a equipa tem custos absolutamente residuais no universo do nosso futebol, cada miúdo recebe um pequeno subsídio mensal de apoio e é um projecto que trará ganhos muito grandes à nossa estrutura. Estamos a fazer um óptimo campeonato e neste momento, mesmo com um jogo a menos, seguimos em 1º lugar. Subir de divisão é fundamental para o projecto.
A equipa B acaba também por ser útil tendo em conta o limite de inscrições da Liga 3, é assim?
Sim, esse ponto é fundamental. A Liga 3 apenas permite a inscrição de 25 jogadores na equipa A podendo-se inscrever-se mais 23 jogadores no caso das equipas que têm equipas B, num total de 48 jogadores.
Aliás, não é por acaso que há muitas equipas da Liga 3 que para além de uma equipa B nos Campeonatos Distritais inscrevem ainda uma equipa C.
No nosso caso, a inscrição da equipa B acabou por ter um impacto importante porque relativamente aos quatro atletas que tínhamos com contrato para esta época e que cedemos a outros clubes no início da temporada, foi entendido pela FPF que esses atletas, apesar de não poderem ser utilizados por nós, fazem parte integrante dos 25 inscritos na equipa A.
Com esta interpretação, com a qual não concordámos, só poderíamos inscrever 21 jogadores adicionais.
Facilmente se percebe que desses 21 jogadores inscritos 3 teriam de ser guarda-redes, o que quer dizer que nem 20 convocados teríamos para apresentar em cada jogo, a menos que chamássemos sempre atletas juniores.
É algo que os clubes da Liga 3 estão a solicitar à FPF que seja alterado nos regulamentos da próxima temporada pois não faz sentido esta actual interpretação.
A B SAD QUE EM 2023/24 SERÁ COVA DA PIEDADE SAD
“Fim lógico de uma crónica anunciada”
O Cova da Piedade prepara-se para assumir a posição de um clube fundador na B-SAD. Pode dizer-se que esta é a vitória do Belenenses e dos seus sócios?
Essa matéria é totalmente irrelevante para nós, mas ainda assim vem traduzir uma crónica anunciada e só vem provar que todos os portugueses amantes de desporto, e a sociedade em geral, perceberam a nossa luta e ajudaram a validar um caminho de uma dignidade sem igual que está a ser interpretado por todos os Belenenses. Um dia será contada a história desta odisseia e serão devidos muitos reconhecimentos, mas esse dia ainda não será hoje.
REQUALIFICAÇÃO DO COMPLEXO
“A CML como parceiro e pilar fundamental da nossa caminhada não tem conseguido responder em tempo útil”
Passemos à reconversão do Restelo. Quem passa pelo estádio percebe que o supermercado está pronto e, no entanto, não abre. Porquê? Consegue prever uma data para a inauguração?
Como já disse, a CML era e é um parceiro fundamental da nossa caminhada no sentido de casarmos a nossa ascensão desportiva com a requalificação do Complexo para assim aumentarmos a nossa sustentabilidade financeira e melhorarmos as nossas infraestruturas desportivas. A verdade é que se tem revelado uma instituição incapaz de cumprir prazos, com muita burocracia e com várias contradições ao longo destes processos de licenciamento, o que acaba por causar prejuízos significativos ao clube e aos seus parceiros.
Em rigor, e infelizmente, não nos conseguimos comprometer com um prazo para a abertura do Lidl e para a deslocação do posto da Repsol. Neste momento está pendente uma questão jurídica de acertos patrimoniais que, uma vez solucionada, originará acto contínuo a aprovação do projecto de arquitectura do novo posto da Repsol que é o passo que falta ser dado para a obra da Lidl poder ser concluída. Acredito no entanto que possa estar tudo resolvido até ao Verão. Temos tido reuniões constantes e contactos permanentes sobre estes assuntos com os mais altos representantes da autarquia, mas na realidade os avanços são muito lentos e longe do calendário inicialmente previsto.
Em que ponto está o processo do Colégio no Topo Norte?
Relativamente à parcela do Topo Norte deu já entrada na CML o projeto de arquitectura do The British School of Lisbon (BSL) para a construção do Colégio e da Piscina. Agora seguirá os seus trâmites.
Fala-se num novo contrato de arrendamento com o Colégio para o espaço do degradado Complexo das Piscinas. Que tem em mãos o clube para esta zona?
Sim, temos agora em mãos uma proposta, também do Bristish School of Lisbon, para um contrato de utilização do espaço do Complexo das Piscinas que reconverterá e legalizará toda aquela área dando origem a um centro de estudos e, num futuro próximo, também à construção do novo Pavilhão Acácio Rosa. Esta proposta carreará para o clube um valor anual muito significativo e uma enorme sinergia resultante de termos centenas de crianças todos os dias no Complexo, que serão os Belenenses de amanhã, para além de resolver um problema real que é a recuperação e limpeza de um espaço que está totalmente degradado há anos e que nos provoca uma enorme tristeza. Ficaremos com essa zona totalmente reabilitada, com uma importante fonte de receita anual e, previsivelmente, com um novo Pavilhão que durante algum tempo existirá cumulativamente com o actual Pavilhão Acácio Rosa.
Entretanto foi lançado outro concurso para outra das parcelas, como está a correr?
Certo. Trata-se do concurso para a parcela destinada às Residências Seniores e construção dos dois campos de treino, razão pela qual a nossa equipa da requalificação não tem tido mãos a medir, com contactos constantes com potenciais investidores e com diversos interlocutores camarários. As coisas têm abrandado porque os promotores estão a avaliar e a sentir os efeitos do aumento avassalador das matérias primas e dos custos de construção associados aos investimentos. É um trabalho verdadeiramente estrutural para o futuro do Belenenses e do seu Complexo nos próximos cinquenta anos, mas muito moroso. Não posso deixar de agradecer toda a dedicação e capacidade de trabalho da equipa composta pelos meus colegas de Direcção Óscar Machado Rodrigues, Mafalda Fernandes e Pedro Lourenço, bem como pelos associados Ana Simões Ferreira e Manuel Manso Neto Dores. Uma equipa magnífica a quem o clube muito deve.
AS MODALIDADES
“As modalidades são o pulmão do Belenenses”
Para finalizar, as modalidades. Que balanço desportivo faz das épocas em curso?
É um balanço positivo até ao momento, apesar de gostarmos sempre de sermos ainda mais competitivos e de ganhar mais vezes.
Em primeiro lugar, tenho de deixar uma palavra de forte aplauso aos dirigentes e seccionistas dessas modalidades pois sem eles nada seria possível. A Direcção dá as orientações gerais e arranja receitas para cumprir com todas as responsabilidades, o que na minha opinião já não é pouco e é vital, mas sem esses dirigentes nada aconteceria. Não vou enumerar o nome das pessoas pois podia cometer alguma falha, mas eles e elas sabem muito bem quem são.
No andebol voltámos a participar nas competições europeias, pela segunda vez em três épocas, e estamos neste momento a lutar novamente por um lugar que dê o apuramento para as competições europeias e pela presença na fase final da Taça de Portugal e, portanto, é um grupo que temos vindo a renovar com atletas mais jovens e que dá garantias de ser competitivo.
No futsal fomos apurados para a fase de subida e estamos neste momento, com muito mérito de todo o staff, equipa técnica e jogadores, em posição de discutir esse objectivo, e tudo faremos para o conseguir. Já a equipa feminina foi campeã distrital e apurou-se para a Taça Nacional que vai ditar o apuramento para as competições nacionais.
No basquetebol lutámos até ao último jogo pelo apuramento para a fase de subida e estamos agora a competir no grupo de manutenção, que será um objectivo que vai ser assegurado, sendo que a equipa feminina está a discutir a subida de divisão estando até ao momento a cumprir todos os objectivos traçados.
No voleibol também lutámos até ao último jogo pelo apuramento para o grupo de subida e estamos agora a competir no grupo de manutenção, o que também será assegurado.
No râguebi estamos na liderança do campeonato, na procura pela revalidação do título nacional e continuamos a desenvolver um trabalho excelente na modalidade, que muito nos orgulha.
Fomos ainda na última semana mais uma vez, pelo nono ano consecutivo, campeões nacionais masculinos de atletismo em pista coberta, no escalão de veteranos, e vice-campeões em femininos, numa modalidade que dominamos há vários anos nestes escalões e que dá muita vida ao clube.
Continuamos ainda muito activos nas restantes modalidades, como a natação, triatlo, futebol de mesa ou footgolf.
E do ponto de vista financeiro, qual o peso das modalidades? São compatíveis com o caminho que o Belenenses está a fazer?
O Belenenses é e sempre foi um clube eclético, com muita paixão pelas modalidades, e neste passado recente em que não tivemos o controlo da nossa equipa sénior de futebol temos de afirmar com toda a convicção que as modalidades foram determinantes para a vida e para a sobrevivência do clube e para uma maior ligação dos sócios ao clube.
Não se pode falar em peso para o clube sem referir tudo o que de positivo nos trazem, nomeadamente cerca de uma dezena de modalidades, mais de meia centena de equipas nos mais variados escalões etários e mais de um milhar de atletas federados distribuídos por diversas estruturas compostas por sócios e adeptos do Belenenses que se dedicam de corpo e alma, várias horas por dia, sete dias por semana, doze meses por ano, a essas modalidades, fazendo todo o tipo de trabalho.
Naturalmente que existe quem defenda uma maior aposta financeira nas mesmas e quem defenda uma redução desse investimento, mas a palavra-chave será o equilíbrio orçamental das mesmas e do clube, sabendo claramente qual o principal objectivo desportivo e financeiro do clube nos próximos anos.
Também sabemos que a maioria das equipas com quem competimos semanalmente são clubes de uma só modalidade, que alocam nessa única modalidade todos os recursos humanos e recursos financeiros existentes, e isso provoca-nos algumas dificuldades acrescidas.
Temos no entanto de ter a noção que das cerca de dez modalidades que o Clube tem, apenas duas têm um peso efectivo no orçamento do clube, nomeadamente o andebol e o futsal. As restantes têm, infelizmente, um apoio financeiro muito reduzido por parte do clube e que se traduz sobretudo na cedência de instalações e nos custos inerentes a isso.
FÚRIA AZUL, GRUPO DA GRADE, NOVA LEGISLAÇÃO E A POSIÇÃO DO CLUBE
“O Presidente tem de ser uma ponte entre as partes”
Como olha para o novo pacote legislativo que versa sobre a violência no Desporto?
É uma legislação que visa regular algumas situações que estão na ordem do dia e que pretende promover maior segurança nos recintos desportivos. Acho que há um esforço grande da tutela no sentido de avançar no caminho certo, mas tenho as maiores reservas que a legislação que está para ser aprovada vá resolver os problemas existentes e não tenho a certeza de que a questão esteja a ser vista pelo melhor prisma.
Que dizer sobre o novo Regime Jurídico dos explosivos e substâncias perigosas?
Essa legislação passa a criminalizar a posse desses artigos pirotécnicos em complexos desportivos passando a ser punível com uma pena de prisão efectiva até cinco anos e estou no geral de acordo com o diploma.
E sobre a nova legislação contra a violência no desporto, qual a sua opinião?
A nova lei já foi aprovada na generalidade na Assembleia da República, baixou para a discussão na especialidade e deverá, com um ou outro retoque, ser aprovada e entrar em vigor antes do início da próxima época desportiva.
É uma legislação penalizadora para os clubes, que prevê coimas muito elevadas que muitos clubes, sobretudo os mais pequenos, não terão como pagar, e que obrigará as claques a legalizarem-se sob pena dos clubes não poderem dar qualquer ajuda às mesmas, nomeadamente a cedência de instalações, de bilhetes, de transportes ou outro tipo de ajuda financeira ou logística. Prevê ainda a responsabilização criminal pessoal dos dirigentes máximos dos clubes em caso do não-cumprimento da lei e certamente as direcções dos clubes não arriscarão conceder apoios directos ou indirectos aos grupos que não se legalizarem.
Como é que isso se articula com grupos como a Fúria Azul ou o Grupo da Grade?
O clube deve muito a estes grupos de adeptos cujo apoio nos jogos de futebol e das modalidades é de extrema importância. Não esqueço que em 2018, quando propusemos aos sócios recomeçar na 7ª Divisão, perante muitas dúvidas, reservas e críticas de alguns sócios do clube, esses grupos estiveram sempre ao lado das decisões da Direcção, do presidente e principalmente da nossa equipa de futebol com um apoio fantástico em todos os campos do distrito de Lisboa. Ainda recentemente, no período do Covid, quando os adeptos estavam impedidos de assistirem aos jogos nos estádios, o apoio desses grupos de adeptos no exterior dos campos onde jogávamos, os seus cânticos e incentivos, foram de uma importância fundamental para a nossa equipa.
Pessoalmente gostaria que os mesmos se legalizassem, que o clube pudesse continuar a apoiar esses grupos de adeptos, promovendo inclusive protocolos mais vantajosos no entanto, em último caso, a decisão será dos sócios desses grupos e teremos de a respeitar, sendo que, caso não se legalizem, o clube terá de cumprir a lei e não poderá dar qualquer tipo de apoio directo ou indirecto, desde facilidade de instalações, convites para jogos ou ajuda nos transportes, o que seria penalizador para todos, sobretudo para as nossas equipas e para os nossos atletas.
A Fúria azul anunciou um boicote aos jogos de futebol, embora diga que continuará a apoiar as equipas das modalidades, como forma de chamar a atenção do Governo e dos partidos políticos para uma Lei que considera uma atrocidade ao Desporto. Dizem também que só voltarão a apoiar a equipa de futebol na fase de subida se a Direcção do clube publicamente se posicionar contra esta Lei da Violência proposta pelo Governo e apoiar as exigências da Fúria Azul. Como vê esta questão?
Já reunimos a semana passada com a Fúria Azul e analisámos o conteúdo da Lei da Violência em conjunto. Ouvimos os pontos de vista dos elementos que connosco reuniram. Aquilo que disse à Fúria Azul é que vivemos num Estado de Direito e mesmo quando não estamos de acordo com a Lei temos de respeitá-la. É o primado da Lei e o princípio da legalidade que prevalecem no nosso sistema democrático. Por isso expliquei-lhes o óbvio: a partir do momento em que a Lei conheça a luz do dia, que será previsivelmente em Maio, não temos outro remédio que não seja acatá-la. Até lá podemos dar contributos de alteração à lei. É assim que funciona. Por isso, a Fúria Azul e o Grupo da Grade têm dois caminhos possíveis: ou se legalizam de acordo com a Lei ou não o fazem.
Caso se legalizem, o clube pode fazer um Protocolo com esses grupos, que terá de ser entregue no início da época à APVCD e à Liga ou FPF, e podemos ceder instalações e dar outro tipo de apoios; ou, se optam por não se legalizar, o clube não pode dar qualquer tipo de apoio directo ou indirecto, sob pena do presidente e dos elementos da Direcção serem criminalizados directamente com penas que podem ir até à prisão efectiva.
A Fúria Azul, como o Grupo da Grade, estão bem cientes da Lei e dos caminhos que têm à sua disposição.
A Fúria azul vai ter de sair das actuais instalações que ocupa no Complexo das Piscinas?
Sim. A Fúria Azul e os restantes ocupantes do edifício. Vamos iniciar lá o processo de requalificação e legalização de todo o espaço com o projecto do British School of Lisbon. No caso da Fúria Azul vamos ceder, provisoriamente, as actuais instalações do Bar do Campo 3 para que possam guardar lá o seu material e usar as instalações até que a nova lei seja promulgada. Nesse dia, caso optem por não se legalizar, terão de devolver esse espaço ao clube.
E sobre o boicote aos jogos de futebol?
Vivemos num regime democrático em que as pessoas têm o direito de manifestar-se da forma que entenderem desde que dentro do quadro legal existente. Nada posso fazer relativamente a esse posicionamento da Fúria Azul. Só eles poderão explicar porque continuam a apoiar umas equipas e a não apoiar outras. Devem ter razões ponderosas para o fazer. Quanto ao facto de escreverem que só voltarão a apoiar a equipa de futebol se e quando publicamente o clube se bater contra a Lei da Violência no Desporto, receio que então não vamos ter o seu apoio até final da época. O clube vai, nos locais próprios, aliás como ficou combinado nessa reunião com a Fúria Azul, dar conta das suas ideias relativamente a alguns aspectos que ainda poderão vir a ser retocados na lei.
Das alterações que a Fúria Azul gostaria de ver na Lei há algumas com que se identifique ou esteja de acordo?
Sem publicamente entrar em pormenores diria que a Associação Portuguesa de Defesa do Adepto tem defendido alguns pontos de vista, com os quais acredito que a Fúria Azul estará de acordo, que penso que merecem ponderação por parte do Governo e do Senhor Secretário de Estado do Desporto.
Este fim-de-semana, no intervalo do jogo de Futsal com o Lusitânia, em pleno Pavilhão Acácio Rosa, assistiu-se a mais um episódio lamentável entre a PSP e elementos da Fúria Azul que acabou por ser extensível ao resto da bancada. Que comentários lhe merecem estes acontecimentos?
Vejo essas imagens e não posso deixar de condenar veementemente os acontecimentos. É verdade que a lei, ainda que não concordemos com ela, é para ser cumprida, mas existem meios que as polícias têm ao seu dispor e que não passam pela violência gratuita, que são mais eficazes para fazer com que a lei seja cumprida.
É lamentável e ninguém compreende que a polícia actue desta forma num recinto desportivo onde estão famílias e pessoas a assistir a um espectáculo desportivo onde apenas querem apoiar as suas equipas.
Se alguém está a incumprir a lei ou a incumprir ordens das forças policiais, esses elementos devem ser identificados e conduzidos ao posto policial, e de preferência com o menor alarido social possível. Caso contrário, a actuação da polícia traduz-se numa mão cheia de nada e o único propósito que consegue atingir é revoltar a pacata e respeitadora massa associativa contra os seus efectivos.
Infelizmente estes acontecimentos não são algo ocasional, tratam-se antes de uma sequência de acontecimentos.
É um tacho que está a aquecer e que inevitavelmente, se não se desligar o fogão, acabará por queimar uma série de protagonistas.
Desde Outubro que, nos locais próprios, a Direcção do clube tem tentado mediar as relações entre a Fúria Azul e as forças policiais e já reunimos várias vezes com o comando. Inclusive, como já foi dito, realizou-se uma reunião nas instalações da PSP que seria entre os responsáveis dessa força, a Direcção do clube, a Fúria Azul e o Grupo da Grade, onde a Fúria Azul entendeu não comparecer.
Como já disse, a Fúria Azul tem tido um papel histórico muito importante na vida associativa do clube mormente no apoio às suas equipas desportivas e isso ninguém pode colocar em causa.
Neste momento, e por sua exclusiva opção, a Fúria Azul não se encontra legalizada e não se encontrando legalizada isso acarreta uma série de consequências, algumas delas de cariz financeiro com impacto muito negativo para o clube.
O presidente do clube tem de ter a preocupação e a responsabilidade de ser uma ponte entre as partes e não de ser um agitador.
Nos últimos tempos, desde a nomeação do OLA Oficial do clube, as coisas aparentemente tinham melhorado.
Nos bastidores, nos locais próprios, tudo temos tentado e continuaremos a fazer para criar essas pontes entre forças policiais e a Fúria Azul. Indicámos há uns tempos atrás o sócio e presidente da AG da Fúria Azul, Luís Filipe Silva, como OLA Oficial do Clube, ou seja, o elemento de ligação entre o clube, os seus grupos de adeptos e as forças policiais. A situação, de facto, melhorou significativamente nos últimos tempos fruto do excelente trabalho de mediação realizado pelo Luís.
Que mensagem deixaria à PSP e à Fúria Azul?
O que pedimos e exigimos à actuação policial é que actue com equilíbrio, dentro da legalidade e sem o uso de violência gratuita. De resto, transmiti isso mesmo nos últimos dias aos mais altos comandos da instituição policial.
Aos adeptos em geral, e em particular aos que integram a Fúria Azul, peço que cumpram com as regras, peço-lhes ponderação e que se legalizem. Legalizarem-se é a única forma existente para que possam entrar nos recintos desportivos com todos os seus materiais e coreografias.
O EVENTUAL ACORDO DE UTILIZAÇÃO DO ESTÁDIO DO RESTELO PELO CASA PIA EM 2023/24
“Se houver acordo, o tema será levado a AG de sócios”
Têm surgido notícias na comunicação social que dão conta de que o Casa Pia, da I Liga, no próximo ano jogará os seus jogos em casa no Estádio do Restelo. Corresponde à verdade?
Fomos abordados há cerca de um mês pelo Casa Pia que nos deu conta de que na próxima época não poderá jogar no Jamor e que o Pina Manique não estará apto durante a época 2023/24, ao mesmo tempo que nos questionou se haveria alguma possibilidade de ajudarmos através de um acordo para que pudessem jogar no Restelo, juntamente com o Belenenses, durante a próxima época.
O Casa Pia é um clube histórico, com boas relações e amizade com o Belenenses, que até é sócio honorário do Casa Pia há várias décadas, razão pela qual decidimos analisar esse cenário.
Assim, e porque se subirmos este ano à II Liga teremos de licenciar o Estádio do Restelo para competições profissionais, aceitámos que fosse solicitada à Liga e à APVCD uma vistoria ao nosso Estádio para sabermos quais as intervenções necessárias para que o mesmo possa ser licenciado para as competições profissionais.
Esse relatório considerou o nosso Estádio “Não Apto para competições profissionais” e elencou uma série de melhoramentos que teremos de fazer, desde instalação de torniquetes ou PDA, torres de iluminação com maior potência, criação de caixas de segurança para os GOA, sinalética nas bancadas, estádio e estacionamento, criação de nova bancada de imprensa e parque técnico, criação de camarotes para rádios e TV, criação de postos para câmaras de TV, instalações sanitárias para deficientes em todas as bancadas, salas de segurança, melhorias no circuito de CCTV, novos bancos de suplentes, novo sistema de rega, desocupar e limpar todos os espaços existentes na plataforma do topo norte e mais um conjunto de melhoramentos de menor impacto.
Estamos agora a analisar o investimento financeiro necessário para o Estádio do Restelo ficar apto, sem prejuízo de continuarmos a falar com os dirigentes do Casa Pia e se chegarmos a algum tipo de acordo os sócios serão informados de todos os contornos e, muito provavelmente, o tema será levado a AG de sócios.
ELEIÇÕES
“Vou pedir eleições antecipadas para Junho ou Julho. Quem me suceder não pode ficar refém das minhas ideias”
Para finalizar: Estamos em ano de eleições. Pensa recandidatar-se?
Neste momento não é importante falar de mim nem da minha equipa. O que posso dizer é que vou acabar como comecei em 2014: com dignidade e elevação e sempre preocupado em não defraudar aqueles que em mim e nas minhas equipas de trabalho confiaram ao longo dos últimos 9 anos. Interessa neste momento, acima de tudo, cumprirmos o nosso objectivo máximo que é o de subirmos à II Liga. Sobre as eleições há algo mais importante a dizer: nos próximos dias vou pedir ao senhor Presidente da Mesa da Assembleia Geral que convoque uma AG, pois pretendemos propor que o acto eleitoral que se devia realizar em Outubro de 2023 possa ser antecipado para finais de Junho ou princípio de Julho. Entendo que é a altura que melhor defende os superiores interesses do clube, pois possibilitará ao próximo presidente e à sua equipa iniciar a próxima época desportiva menos exposto às decisões tomadas por mim e pela actual Direcção entre o início da época e Outubro/Novembro.
Esta é a minha forma desapegada de ver o Belenenses. Quem me suceder, não pode ficar refém das minhas ideias. Temos tempo até às eleições e apelo aos sócios para que se organizem, para que apresentem propostas, projectos, listas e ideias. Espero que os candidatos preparem o seu caminho e os seus programas. O clube precisa de ideias, de renovar vontades e energias, precisa de empreendedorismo. Precisa de alguma regeneração embora alerte que isso pressupõe um estágio de maturação das pessoas. Não podemos cair no aventureirismo de termos pessoas sem qualquer prova profissional a balançarem-se para dirigentes com responsabilidades. Não podemos ter pessoas que nem para administrar um condomínio de duas fracções dão garantias a terem a pretensão de fazer e acontecer no clube.
Há muito trabalho pela frente, muito a fazer, há que continuar a lutar. Foi difícil construir mas, se formos em aventureirismos e populismos, será muito fácil destruir. Hoje o caminho está mais fácil do que em 2014, o clube está mais estabilizado, mas é preciso gente para arregaçar as mangas e gente responsável, competente e séria, que tenha a capacidade de explicar o racional de todas as suas decisões e formas de actuar para continuarmos no caminho que nos leve aos nossos objectivos. Acredito que o clube vai encontrar no seio da sua massa associativa esses perfis.
Uma mensagem final aos sócios e adeptos do clube.
Até ao fim das próxima seis batalhas da equipa de futebol peço a todos que esqueçam o processo eleitoral e deixem a política de lado. Que apoiem a nossa equipa de futebol, pois tenho a certeza de que no final de Maio vamos estar todos a comemorar. Que se virem também para as modalidades e as apoiem. Tenho a convicção de que o próximo presidente pegará num clube na Liga 2, e que será o responsável por colocar a equipa na I Liga. É isso que todos desejamos e é esse o caminho natural do nosso Belenenses.