Aproveitando nova pausa no Campeonato de Portugal, o presidente do Belenenses Patrick Morais de Carvalho concedeu uma entrevista ao site do Clube onde aborda, para além do actual momento do futebol sénior, outras pastas importantes para vida do Clube como a requalificação do Complexo do Restelo, a mais recente decisão judicial que veio dar razão ao que vem sendo defendido pelo Belenenses face à B SAD, o Bingo e o impacto da pandemia na gestão do CFB. É o resultado dessa conversa que pode ler de seguida.
Como foi preparada a época de estreia no Campeonato de Portugal?
Quero começar por dizer que o Belenenses e o Mister Nuno Oliveira e a sua equipa técnica tiveram uma relação excepcional, uma relação em que ambos ganharam muito. O Belenenses ganhou porque teve um técnico de grande categoria, trabalhador, atento às camadas jovens e que nos garantiu três subidas de divisão. O Nuno Oliveira também sai do Belenenses muito valorizado como homem e como treinador.
Durante o último ano em que disputámos o Distrital, 2020/21, criámos um gabinete de prospecção e dotámos esse departamento de excelentes recursos humanos que começaram a trabalhar, a partir de uma base de perfil de jogador traçado pelo Clube. Começámos assim, atempadamente, a preparar a época de 2021/22 contando com a subida ao Campeonato de Portugal, o que felizmente veio a confirmar-se. A ideia foi ficarmos com uma base de 70% do plantel que já tínhamos, pois a confiança que tínhamos e continuamos a ter nos jogadores que vêm connosco desde os Distritais, alguns desde a 3ª Divisão Distrital, é muito forte e reforçar cirurgicamente.
Quando começámos a “atacar” os potenciais reforços deparámo-nos desde logo com duas dificuldades: por um lado, uma nova realidade que era o aparecimento da Liga 3 que absorveu cerca de 600 jogadores, na sua maioria jogadores do Campeonato de Portugal de 2020/21 e, por outro, o facto de termos um orçamento muito rigoroso. Para nós, mais importante do que ganharmos dentro do campo é termos a certeza de que cumprimos com as nossas obrigações financeiras. Esse, para nós, é o grande campeonato: o da credibilidade, do respeito, da ética e da integridade desportiva e financeira.
Por isso não cometemos loucuras, e não cometendo loucuras não conseguimos ir buscar alguns dos jogadores que tínhamos identificado, mas temos a certeza de que dentro daquela que é a nossa realidade orçamental contratámos os jogadores com o perfil certo. E quando falo em perfil, falo em termos um plantel saudável, de grandes homens, de rapazes com carácter e com as qualidades físicas, técnicas e tácticas que se ajustam à nossa realidade e ao nosso contexto, estamos muito contentes com todos os reforços.
Com um arranque de temporada tão promissor, que balanço faz agora, com um terço do campeonato jogado, numa altura em que três derrotas fora ditaram uma mudança no comando da equipa? O que falhou?
Fizemos uma pré-época que nos trouxe muita confiança, jogámos com várias equipas da Liga 3, utilizámos vários atletas dos nossos Sub-19 e demos sempre respostas de grande qualidade. Lembro-me especialmente do jogo de apresentação do Torreense, em Torres Vedras, onde demos prova de grande maturidade e competência.
O arranque do Campeonato de Portugal também começou da melhor maneira, com uma concludente vitória em casa com o Sacavenense. Mas depois, na primeira deslocação, ao Ideal dos Açores, as coisas não correram bem. A seguir, em casa para a Taça de Portugal com o Pêro Pinheiro, ganhámos mas mostrámos alguma intranquilidade e o ambiente à volta da equipa começou a deteriorar-se.
Sentimos, nesta fase, que os jogadores começaram a acusar muito a pressão que vinha de fora. Ainda assim acreditámos que se tratava de uma situação passageira porque sentíamos, sem margem para dúvidas, que a equipa técnica desenvolvia um trabalho competente e que o grupo estava com o treinador. O que é certo é que na saída seguinte, ao Pêro Pinheiro, perdemos de novo. Fizemos entretanto um jogo muito competente com o Sporting para a Taça de Portugal e a confiança parecia estar de volta. O resto já todos sabem, na deslocação a Elvas somámos a terceira derrota fora consecutiva, sem qualquer golo marcado. Esta derrota, por ser a terceira fora consecutiva, foi muito difícil de encaixar por todos nós.
Recolhi-me em profunda reflexão. A minha tarefa, com a ajuda da nossa pequena estrutura, era conseguir identificar os motivos para o insucesso de resultados que estávamos a ter nos jogos fora. Fiz uma rigorosa análise dos factos e tomei a decisão, que assumo inteiramente, de que era necessário procedermos a uma mudança técnica. Foi das decisões mais difíceis que tive de tomar desde que sou presidente, na medida em que estávamos perante um treinador e uma equipa técnica que deixam os seus nomes gravados a ouro na história do Clube, a quem reconhecíamos grande competência e entrega ao projecto e com quem todos tínhamos uma relação muito especial.
Quais as primeiras impressões do novo treinador?
No espaço de 24 horas foram-nos sugeridos várias dezenas de treinadores. Chegámos a uma lista restrita de três nomes e acabámos por conversar apenas com dois. Tínhamos muito por onde escolher e portanto se a escolha recaiu no Hugo Martins é porque estamos certos de que se trata do líder que encaixa no perfil que pretendíamos. As primeiras impressões têm correspondido ao que esperávamos: alguém com carácter, com personalidade, com alto grau de exigência consigo próprio e com quem o rodeia e muito conhecedor do jogo e deste campeonato. Para além disso, usa uma linguagem facilmente perceptível por todos e faz com que todos se sintam importantes no processo. Agora é como tudo, precisa do apoio de todos os que participam mais directamente no processo e precisa que os sócios estejam com a equipa e a apoiem, já que só com o apoio incondicional nas vitórias e principalmente nas derrotas, massivo, entusiástico e persistente à equipa é que teremos “a certeza de vencer”. A nossa expectativa relativamente a esta equipa técnica é muito elevada e esperamos que nos possam dar muitas alegrias.
Mantém a confiança de que a equipa vai subir de divisão?
A minha confiança é total e absoluta até porque nós somos sempre do tamanho da nossa confiança. Mas não se trata de uma confiança assente na crença ou no divino. Pelo contrário, assenta em coisas que são visíveis e palpáveis. Não confio porque sim. Confio porque vejo muita qualidade no nosso grupo, porque observo que é um grupo para o qual há valores inegociáveis como atitude, intensidade e exigência máxima. Temos uma forma de jogar interessante, estamos apoiados em jogadores experientes que já cá estavam como o Mauro Antunes, o Viegas, o Botas, o Frias, o Medina e o João Oliveira, os próprios Janota e Ribolhos que mesmo lesionados acrescentam maturidade ao grupo e outros que chegaram como o Valverde, o Marinheiro, o Flavinho, o Zé Pedro, o Kikas e o Herlander. E depois temos muitos jovens, o Clé, o Brazão, o Edu, o Carimo, o Rúben Araújo, o Serra, o Foles, o Alex, o Duarte Henriques, que sendo jovens têm mística e experiência e muita vontade de chegar ao topo do futebol. Para além destes olhamos com muita confiança para a nossa geração de 2003 e de 2004, que são os nossos Sub-19, onde há muito talento, com sangue na guelra, com a ilusão de chegar lá ao cimo, que são o futuro e que podem dar-nos muito. Com toda esta mescla, é evidente que só podemos ter confiança e muita esperança de que vamos cumprir o nosso objectivo.
Vai ser preciso reforçar a equipa?
Olhando para todos os plantéis do Campeonato de Portugal, e em especial para os nossos adversários desta primeira fase, não vemos nenhum plantel superior ao nosso, antes pelo contrário. No entanto, é evidente que estamos muito atentos a tudo o que nos rodeia e que estamos em permanente estado de alerta. Quem vai ditar essa necessidade será a resposta de todo o grupo, mas é natural que tendo até em conta as lesões prolongadas do Ribolhos e do Janota seja preciso ajustar. Vamos ver o que nos traz o mercado de Janeiro, sempre dentro de um grande rigor orçamental, porque queremos subir, mas não a qualquer preço. Uma coisa é certa: temos muita esperança de termos um forte reforço em Janeiro que é o Sénica.
Que importância teve para o Clube o jogo da Taça, em casa, com o Sporting?
Foi um momento extraordinário, um prémio enorme para todos os sócios, adeptos, equipa técnica, jogadores, dirigentes e todos aqueles que amam o Belenenses e decidiram em 2018, juntamente connosco, fazer este caminho desde o inferno até ao céu.
Foi um jogo que teve a ver com orgulho, história, emblema, dignidade e vitalidade e que serviu para, de uma vez por todas e se ainda alguém tivesse dúvidas, mostrar a todo o país onde estão e com quem está a Nação Belenenses.
“Muito em breve teremos propostas para apresentar relativamente a duas parcelas do Complexo”
Após o jogo com o Sporting e a recente decisão Judicial sobre a separação do Clube e da B SAD, sente que esta será em breve efectiva?
Tivemos uma sentença judicial exemplar que vem no sentido do normal, do esperado, de acordo com a natureza das coisas, com a lei, com a vivência d’ Os Belenenses e com o sentimento e percepção do país desportivo.
Isto parece simples mas às vezes nos tribunais e porque a justiça é humana e não divina, assistimos a decisões inusitadas. Felizmente, não foi o caso.
A sentença reconhece que o Clube já não é accionista da B SAD, porque a venda da participação social que detinha foi válida; afirma que o nexo identitário entre a B SAD e o Clube já se quebrou definitivamente; decide que o Clube já não é o clube fundador da B SAD; que a B SAD já não é a sociedade desportiva de futebol do Clube; que o Clube não está condenado a apenas participar nas competições desportivas de futebol profissional através da B SAD e, muito importante, decide que nada impede o Clube de constituir uma nova sociedade desportiva para competir no futebol profissional, assim consiga o mérito desportivo para lá chegar.
Portanto, é como sempre dissemos: aquela equipa – B SAD – já não mora nos coração dos Belenenses há vários anos e agora também do ponto de vista jurídico ambas as entidades estão livres para seguirem o seu caminho. Acabou o casamento e o divórcio, que por nós e pelos Belenenses já estava consumado há muito tempo, cristalizou-se com esta sentença, apesar de sabermos que a Administração da B SAD se assim o entender ainda tem a possibilidade de recorrer desta decisão para o Tribunal da Relação.
Qual a situação actual do Bingo?
É um tema de grande complexidade e de resolução sempre muito complicada. Desde 2014 que sucessivamente vamos levando o barco a bom porto, mas sempre com muitas dificuldades e vicissitudes várias que atrapalham sempre as melhores soluções.
De momento, como é sabido, o Clube constituiu uma sociedade denominada Belbingo, com um novo parceiro, detendo o Clube uma participação de 33,3%.
Desde Dezembro de 2020 que o Clube sozinho, pelos seus meios, tem tido a responsabilidade exclusiva sobre a concessão e tudo tem feito para que nada falte aos trabalhadores, uma vez que a sala se encontra encerrada. Não tem sido nada fácil atravessar esta fase da pandemia, em que tudo o que de negativo podia ter acontecido, aconteceu. Inclusive termos tido um desabamento parcial do tecto da sala aquando das fortes chuvadas de Dezembro de 2020. Tem sido um calvário.
Tem havido atrasos sistemáticos da Segurança Social no pagamento dos apoios do Lay-off e da Retoma Progressiva da Actividade e isso tem trazido dificuldades suplementares pois esses atrasos têm impacto directo no pagamento atempado dos salários.
Neste momento por exemplo, pese embora todos os esforços que desenvolvemos junto das entidades competentes, o Clube ainda não logrou receber os apoios relativos à Retoma Progressiva de Actividade referentes aos meses de Agosto, Setembro e Outubro.
Tal situação acarreta prejuízos incalculáveis para a reputação da nossa Instituição, pois não conseguindo receber atempadamente estes apoios o CFB não consegue pagar os salários aos seus trabalhadores do Bingo que assim se encontram, neste momento, com 3 meses de salários em atraso com todas as consequências sociais e humanas que daí advêm.
Sobre esta matéria gostaria de dizer que temos tido um apoio fantástico da Senhora Secretária de Estado do Turismo e do seu Chefe de Gabinete, que ao longo dos meses têm tido um papel fundamental para que os atrasos verificados na Segurança Social e na AT não sejam ainda maiores, e neste momento estou em crer que nos próximos dias o Clube conseguirá receber estes três meses que se encontram em atraso e poderá restabelecer a normalidade para com os trabalhadores, que são quem mais nos preocupa neste momento e a quem aproveito para também para publicamente deixar uma palavra de solidariedade, compreensão e apoio.
Como tem sido gerir o Clube nesta crise pandémica?
Estes são tempos muito diferentes de todos os outros tempos que conhecemos e vivemos, são tempos que facilmente serão recordados pelos piores motivos e, para quem gere uma Instituição desportiva com a grandeza e o ecletismo do Belenenses, são tempos que ficam marcados por confinamentos, paragens e adiamentos de provas, fim das competições e dos treinos da formação, ausência de sócios e de público, asfixia financeira, falta de liquidez e inactividade.
A crise e a pandemia bateram forte à nossa porta e só me ocorre dizer que acredito que seriam muito poucos os clubes que conseguiriam sobreviver àquilo a que o Belenenses tem sobrevivido nos últimos dois anos.
Têm sido tempos terríveis, de grande sacrifício e que têm exigido muito dos dirigentes do Clube. Tivemos que pintar muitos quadros de esperança para conseguirmos manter toda a gente unida à volta de uma causa maior. Por isso deixo um sentido aplauso a todos os meus colegas dirigentes, quer os dos Órgãos Sociais e em especial os da Direcção, mas também todos os directores e seccionistas das várias modalidades pois a forma como eles se têm dedicado, as soluções que têm encontrado, em silêncio, sem queixumes, ouvindo algumas vezes críticas de pessoas totalmente fora do contexto e sem a mínima noção das tormentas porque passamos, não está ao alcance de todos. Tudo isto faz com que a minha admiração por eles seja muito grande.
A crise de resultados no futebol, que acabou por levar à demissão da equipa técnica, estendeu as críticas dos associados à Direção. Como lida com esta situação?
Quem dirige uma Instituição como a nossa tem de saber conviver com todas as críticas, mesmo aquelas que são muitas vezes profundamente injustas e descontextualizadas da realidade. Ainda assim, valoro as críticas de forma diferente: há aquelas que são feitas de forma construtiva por pessoas que genuinamente querem que as coisas corram bem e a essas temos de prestar toda a atenção; depois há aquelas que são feitas por quem tem agendas dentro do Clube, que no passado já mostraram que não têm capacidade de agir e de fazer, mas que são muito fortes quando perante uma qualquer decisão de quem tem de decidir se limitam a dizer “aviso já que isto vai dar disparate” e, acto contínuo, começam a colocar velas à Santa a ver se o seu agoiro vinga; e depois há ainda aqueles que criticam por desconhecimento ou porque lhes parece que tudo é muito importante, mesmo aquelas coisas que, em termos relativos, são pouco ou nada importantes.
Mas acredito que a maior parte dos comentários que se ouvem sobre o futebol ou sobre outro tipo de situações vêm de pessoas que gostam do Clube e que querem o sucesso da Instituição. Parece-me que às vezes falta a percepção de que quem lidera uma nau desta dimensão tem que sair de casa todos os dias para “matar leões”, como eu costumo dizer, e muitas vezes falta paciência para ouvir falar de chinchilas.
Quem visita o Restelo percebe que as obras do Lidl avançam em bom ritmo. Consegue prever-se para quando a abertura do espaço?
A intervenção no Topo Sul é conjunta e tripartida entre Belenenses, Lidl e Repsol. A obra está a andar a uma velocidade muito boa mas precisamos ainda que os serviços da CML fechem o dossier “Repsol” que implica, como se sabe, o deslocamento do actual posto para a rotunda que vai nascer ao cimo da Rua dos Jerónimos. É nisso que continuamos a trabalhar em conjunto, agora com a nova presidência da CML.
Há mais projectos em marcha para a reconversão do complexo? Outros concursos serão lançados brevemente?
Sim, temos uma equipa de trabalho constituída pelos meus colegas de Direcção Óscar Machado Rodrigues, Mafalda Fernandes e Pedro Lourenço que muito em breve terá propostas para apresentar relativamente a duas parcelas do Complexo. Trata-se de um trabalho invisível muito intenso e muito competente que têm desenvolvido e, como disse, em breve teremos notícias muito importantes, projectos muito interessantes já validados pelos restantes colegas de Direcção que conduzirão o Clube à sustentabilidade que todos desejamos para as próximas décadas.
Acreditamos que só as instituições mais fortes vencerão e que golpes de génio, habilidades e invenções a médio e longo prazo de nada servirão. É em garantir essa solidez e sustentabilidade que estamos apostados, é esse o propósito que nos deve guiar a todos.
Agora advirto de que os próximos tempos serão ainda mais difíceis do ponto de vista financeiro do que os últimos dois anos, o nosso vice-presidente da área financeira vive em constante sobressalto, e toda a Direcção por tabela, pois a ressaca do que sofremos nos últimos dois anos, com quebras abruptas de receitas e de actividades, está agora aí a bater à porta pelo que o Clube terá de continuar a ter uma Direcção proactiva, sempre na busca de receitas extraordinárias, pois se tivermos uma Direcção que fique paralisada pelo medo e que não tenha golpe de asa, o perigo de voltarmos aos impressionantes disparates e às tremendas atrocidades praticadas contra o Clube cujos resultados herdámos em 2014 está aí ao virar da esquina.