Presidente do Belenenses desde 2014, reeleito por larga maioria em Outubro de 2020, Patrick Morais de Carvalho desafiou os sócios pela segunda vez em dois anos a perguntarem-lhe o que entendessem sobre a vida do Clube, comunicação tanto mais necessária quanto se verifica o afastamento dos adeptos do complexo do Restelo motivado pela pandemia que atravessamos há já um ano. Foram dezenas de emails sobre variadíssimos temas, muitos deles repetidos, a que o presidente do Clube respondeu no dia 10 de Março e que resultaram na extensa entrevista que agora publicaremos ao longo de três dias, dividida em treze grandes áreas, com os links do índice a ficarem disponíveis à medida que os temas forem sendo libertados.
A todos, muito obrigado pela participação, pelas questões, sugestões e críticas, deixando desde já aquela que é a primeira de treze partes.

 

Tem sido das vozes mais críticas na falta de apoios do Governo ao Desporto, nomeadamente na questão da aplicação das verbas europeias da chamada “bazuca”. Como acha que o Governo devia actuar relativamente ao Desporto?
O Estado em qualquer país civilizado tem que compreender que o Desporto tem um papel fundamental na sociedade.
O Desporto desempenha funções educativas, de desenvolvimento motor, patrióticas e ajuda a integrar e a coordenar indivíduos e grupos sociais. O sistema desportivo está directamente ligado aos subsistemas de saúde, ciência, cultura e educação. O desporto tem um impacto significativo nos processos sócio-económicos e políticos de qualquer sociedade moderna.
Por todas estas razões considero que é impensável o Estado esquecer-se do Desporto no chamado Plano de Recuperação e Resiliência apresentado pelo governo, patrocinado pela União Europeia, que destina verbas na ordem dos 14 mil milhões de euros a fundo perdido a vários sectores da economia.
Os clubes desportivos, as federações desportivas e as organizações promotoras da actividade física que operam no nosso país não merecem esta falta de consideração até porque muitas destas instituições estão num estado perfeitamente comatoso neste momento.
Tenho dito que o Desporto vai nu, órfão e completamente ignorado e esquecido pela tutela. É lamentável que assim seja, mas vejo cada vez mais vozes a levantarem-se na defesa do movimento associativo desportivo, nomeadamente o Prof. José Manuel Constantino e os Presidentes de várias Federações Desportivas e agora também os Presidentes de vários clubes, e acredito que o Governo ainda está a tempo de emendar a mão.
É também importante que se perceba que não será pelo simples facto de se vir a destinar verbas desta bazuca ao Desporto que se irão resolver os problemas graves que estão instalados nos clubes, nas associações e no Desporto em geral; será preciso uma estratégia, coragem, transparência, rigor e método, tudo predicados que a tutela até ao momento não tem dado provas de dominar.

Como vê actualmente o Campeonato da 1ª Liga de futebol em Portugal e como acha que se poderia melhorar a competição?
Espero que quando o Belenenses regressar à 1ª Liga o ar esteja mais respirável.
Hoje atribuiria à Liga portuguesa a classificação de sofrível pois temos um produto que não é vendável fora de portas, e mesmo nos países de língua oficial portuguesa e nas comunidades emigrantes a nossa Liga perdeu muito espaço. Hoje, com a globalização, temos muitos jovens portugueses, a viver em Portugal e nessas comunidades, que são adeptos de clubes ingleses e espanhóis, por exemplo.
Não temos país para ter 18 equipas na 1ª Liga e terá de, entre outras coisas, haver uma reformulação urgente da Liga, passando pela redução significativa do número de equipas; e terá de haver um forte investimento ao nível infraestrutural.
Hoje, e salvo raras excepções que também as há, existem em Portugal espectáculos muito pouco interessantes, jogos com paragens sucessivas, ritmos e intensidade muito baixas, jogos perfeitamente medíocres com autênticos recitais de apito.  A nossa liga não é vendável fora de portas e, portanto, não é possível aumentar o tamanho do bolo das receitas a distribuir. Temos equipas para consumo interno e só muito acidental e esporadicamente alguma equipa portuguesa consegue ombrear com as principais equipas dos cinco principais campeonatos europeus.
Por uma questão de justiça devo dizer, porque está à vista de todos, que se salvam a FPF e as selecções nacionais que de facto têm elevado bem alto o nome de Portugal.
O diagnóstico está feito e é preciso haver uma forte congregação de vontades para que o status quo vigente possa ser alterado.

Está de acordo com a centralização dos direitos televisivos proposta pelo Governo para 2028/29?
Pelo menos desde 2012, altura em que escrevi o livro “Quem marca este penalty?” com o meu grande amigo João Ferreira, que defendo o que, na altura, chamei de “teoria do equilíbrio competitivo”, com mais e melhor repartição de receitas; orçamentos mais próximos uns dos outros; logo, melhores jogadores nas equipas consideradas de menor nível; logo, maior imprevisibilidade e incerteza nos resultados; logo, melhores espectáculos; logo, mais espectadores; logo, mais países interessados no nosso produto; logo, mais e melhores patrocinadores; logo, em princípio, mais dinheiro.
Isto conjugado com o facto de sermos um país gerador de talento futebolístico, até onde poderia ir Portugal e a sua Liga?
Sobre o decreto-lei do Governo conhecido recentemente é um princípio, mas aprovar-se um decreto-lei para ser colocado em prática em 2028/29, parece uma piada. Ainda assim perceber-se se será uma boa ou má solução ainda dependerá da FPF e da Liga apresentarem uma proposta de modelo de centralização de comercialização e que a Autoridade da Concorrência venha a aprovar esse modelo. Muitos “ses” para um futebol profissional português que precisaria de respostas rápidas, pois encontra-se em estado comatoso com grande parte das sociedades desportivas da 1ª e 2ª Ligas tecnicamente falidas e ligadas à máquina.
Nessa altura, em 2028/29, o que se esperará é que haja sensibilidade do Governo, da FPF, da Liga (se à data ainda existir) e das equipas participantes nas Ligas Profissionais, em especial de Porto, Sporting e Benfica, para se aplicar o modelo que permita uma distribuição mais equitativa das receitas, existindo já hoje vários modelos para essa divisão poder ser operacionalizada.
Será a diferença entre o campeonato português poder aproximar-se dos “Big Five” ou de se aproximar perigosamente dos campeonatos do Chipre, Estónia, Eslóvenia, Sérvia e companhia.
No entanto, deixo um alerta àqueles que pensam que todos os males do futebol português se resolverão com a centralização dos direitos televisivos: se o valor do bolo total for inferior àquele que existe hoje, e por este caminho a probabilidade de o ser é enorme, não haverá centralização que salve a competitividade da competição portuguesa. Pois passará a haver ainda menos dinheiro para todos do que aquele que há hoje, em 2020/21.

 

// Leia a entrevista na íntegra:

  1. Desporto em Portugal
  2. Futebol
  3. Futebol de Formação
  4. Finanças, Marketing e Comercial
  5. Requalificação do Complexo desportivo
  6. Instalações
  7. Sócios e Associativismo
  8. Loja Azul
  9. B SAD
  10. Modalidades
  11. Bingo
  12. BelémTV e suportes digitais
  13. Revisão dos Estatutos