Pedro Lourenço, vice-presidente responsável pelas quatro modalidades de pavilhão do Belenenses, esteve à conversa com o site oficial do Clube quando passam praticamente quatro meses desde a abertura das oficinas no Pavilhão Acácio Rosa. Uma importante entrevista para tomar o pulso ao estado das Amadoras que defendem a camisola azul de Cruz ao peito.
Levamos sensivelmente quatro meses de trabalho desde o início desta época desportiva atingindo o primeiro terço de época nas modalidades de pavilhão. Uma boa ocasião para fazer um primeiro balanço da época?
O balanço não é, na minha opinião, tão positivo quanto gostaria que fosse, pese embora o esforço que foi feito no planeamento da presente época de forma a que pudéssemos comemorar o ano do centenário do Clube com resultados desportivos condizentes com a nossa ambição, dentro da nossa realidade. Estamos a fazer uma época positiva no andebol e no basquetebol, já sabíamos das nossas dificuldades no voleibol, mas estamos claramente abaixo do esperado no futsal, que é neste momento a modalidade que está a desequilibrar fortemente a balança.
Comecemos então pelo futsal, com a temporada que o Belenenses está a realizar na Liga Placard a causar justas preocupações aos adeptos. É hoje claro que houve erros na preparação da época. Estão devidamente identificados?
Tem sido uma época desastrosa. Esta época, tal como na época anterior, demos total autonomia ao técnico Alípio Matos para, dentro do orçamento definido pela direcção do Clube, poder construir o plantel à sua disposição tendo toda a nossa confiança para o efeito. Da mesma forma teve autonomia no recrutamento da equipa técnica e no recrutamento dos elementos que escolheu para trabalhar mais perto da equipa sénior e que poderiam ajudar nessa gestão. Acredito que fez o seu melhor. É alguém a quem todo o universo belenense estará sempre grato e agradecido pelo que fez ao serviço do Belenenses na sua primeira passagem e o seu nome ficará para sempre na história do Clube.
Mas…
Mas as coisas não resultaram. Poderia identificar várias situações concretas ou apontar o dedo a esta ou àquela decisão, mas a responsabilidade em primeira instância é minha. Será sempre minha. Fui eu que dei autonomia alargada ao Alípio Matos para acumular as funções de treinador com as funções de manager da equipa sénior e fui eu que aceitei, por acção ou inacção, a constituição do plantel, assim como aceitei a proposta para a constituição da estrutura mais próxima da equipa sénior e que levou a um menor protagonismo ou a um menor poder de decisão dos elementos integrantes da direcção da secção. Fui eu que deixei isso acontecer.
Situação que culminou com a saída da equipa técnica…
Fomos avaliando a situação, sempre com preocupação face aos resultados mas com confiança na sua capacidade, mas a determinado momento sentimos necessidade de assumir as rédeas da situação, de tomar uma posição mais firme, e reunimo-nos com a equipa técnica, fizemos ver as nossas preocupações e manifestámos o nosso descontentamento. O técnico, de forma digna e exemplar, assumiu a responsabilidade do planeamento da época, reconheceu erros cometidos e alguma incapacidade para contrariar a situação e entendeu não ter motivação para continuar acordando a sua saída e a dos elementos que trouxe para colaborar consigo. Como já disse, apesar deste desfecho, a responsabilidade desta situação em primeira instância é minha, exclusivamente minha, e continuo a partilhar da enorme admiração, respeito e gratidão que todos os belenenses sentem pelo Alípio Matos por tudo o que fez pelo Belenenses no passado.
Foi entretanto escolhido o José Feijão para assumir esta difícil tarefa de assegurar a manutenção da equipa.
Com a saída do anterior treinador, e dado o contexto bastante complexo da situação, entendemos ser o momento de alterar o paradigma da secção em relação aos anos mais recentes e entendemos ser o momento de fazermos um apelo ao coração e ao sentimento, de chamar pessoas com uma forte ligação afectiva ao Clube, com capacidade, com competência, mas com foco nessa ligação, pois precisamos de pessoas que sintam o Belenenses, que tenham orgulho em representar o Belenenses e que possam ajudar a dar a volta a esta situação complicada com uma motivação extra. E neste caso concreto, a escolha do José Feijão foi a mais natural e a mais consensual. Assim como a nomeação do Bruno Nunes para director desportivo da equipa sénior ou o apelo para o Nuno Lopes voltar a ajudar a equipa principal da modalidade de forma mais próxima e activa.
Mas aqui chegados, existem dificuldades no reforço da equipa. O plantel é curto. Já assistimos a várias saídas que ainda não foram colmatadas. Será forçoso esperar pela abertura do mercado em Janeiro?
O plantel precisa de ser reforçado, mas precisa de ser reforçado com rigor e com muito critério. Não podemos falhar nessas escolhas e o contexto da modalidade é muito complicado. Estamos a meio de uma época desportiva, os bons jogadores portugueses têm ligação contratual a outros clubes e sendo jogadores importantes nesses clubes naturalmente que esses clubes não os libertam sem exigirem contrapartidas financeiras elevadas para a nossa realidade. Estamos a trabalhar arduamente nesse sentido porque entendemos que não podemos esperar pela abertura do mercado de Janeiro, onde poderemos inscrever atletas estrangeiros, e temos de melhorar a qualidade do plantel antes disso. A contratação do Tiago Cruz, um atleta internacional A português com um enorme potencial, enquadra-se neste cenário mas ainda é curto para a nossa necessidade imediata.
O plantel está muito curto…
O plantel neste momento é muito curto, temos apenas sete jogadores de campo – mais uns atletas juniores que começaram agora a trabalhar connosco e exigimos que isso seja uma aposta com continuidade no futuro – mas dado que uma das situações identificadas se traduzia num desvio orçamental em relação ao estabelecido pelo Clube e que houve uma necessidade de corrigir esse desvio, que o técnico anterior acreditava ser compensado com um apoio financeiro esperado que não se concretizou, decidimos antecipar a saída de alguns elementos do plantel, cujo rendimento desportivo versus peso salarial não justificava a sua continuidade, sendo que essas saídas libertaram verbas para podermos reforçar o plantel agora e em Janeiro e asseguram a correcção orçamental necessária.
Estando o diagnóstico feito e existindo já atletas fechados para o reforço do plantel agora e em Janeiro, existe a convicção de que é possível fazer uma segunda volta à semelhança da época passada?
Existe esse desejo, mas temos plena noção de que a situação actual é mais preocupante do que a existente na época passada por esta altura e que uma segunda volta semelhante à da época passada poderá não ser suficiente. Temos muita confiança na equipa técnica, no seu trabalho e na sua capacidade de acerto no recrutamento, mas necessitamos de vencer jogos até Janeiro, necessitamos do apoio dos nossos adeptos que estão actualmente divorciados e afastados da equipa, que estão naturalmente descontentes com o desempenho desportivo da equipa, mas que têm de compreender a importância que podem ter no apoio e na recuperação que todos desejamos que aconteça. Acredito que a equipa em Janeiro será mais competitiva, terá mais qualidade e terá certamente mais entrega e vontade do que aquela que começou a época. Mas precisamos desse apoio extra nas bancadas.
Mudando de modalidade, o andebol, tal como as duas equipas seniores [masculina e feminina] de basquetebol estão a fazer um campeonato positivo, dentro dos objectivos traçados. Começando pelo andebol, parece claro que o objectivo de assegurar a presença no Grupo A do Campeonato Placard Andebol 1 está ao nosso alcance pela segunda época consecutiva.
Esse objectivo está ao nosso alcance, acredito que vamos conseguir esse apuramento, mas também aqui poderíamos estar um pouco melhor apesar das outras equipas também estarem mais fortes e equilibradas. Fizemos um esforço na construção do actual plantel, reforçámos o plantel com alguns elementos experientes e com alguns jovens que vieram acrescentar qualidade e quantidade a um plantel que na época passada foi demasiado fustigado com lesões e problemas físicos sobretudo na parte final da época onde fizemos vários jogos com apenas oito ou nove atletas seniores nas convocatórias. Queremos que a presença do andebol do Belenenses no Grupo A não seja um feito esporádico com direito a grandes celebrações, mas sim um objectivo regular alcançado naturalmente todos os anos. Não será fácil. Não dependerá só de nós, mas é nisso que estamos a trabalhar nestes últimos anos.
Como será possível alcançar esse objectivo?
Como temos feito nos últimos anos: mantendo uma base do plantel com forte ligação ao Clube, assegurando uma base do plantel com estabilidade que não sofra alterações profundas de época para época. Tentar segurar a maioria dos atletas no final de cada época e estar atento a oportunidades de recrutamento de atletas que possam, dentro do nosso contexto e (in)capacidade financeira, reforçar e rejuvenescer o nosso plantel. Juntamente com esta aposta na equipa sénior também estamos a procurar recuperar a nossa formação do topo da pirâmide, que após alguns anos com resultados abaixo do habitual tem novamente apresentado resultados, como foi o caso do apuramento da equipa de juvenis para a segunda fase do campeonato nacional há dois anos ou o apuramento da equipa de juniores para a fase final do campeonato nacional na época passada, sendo que na presente época continuamos fortemente empenhados em repetir esse feito, que também aqui terá de deixar de ser um feito esporádico para voltar a ser algo natural que aconteça todos os anos.
No basquetebol temos uma situação que chama a atenção: o Belenenses tem hoje todos os escalões com equipas masculinas e femininas até aos seniores. E nessas duas equipas de competição de topo o Belenenses apresenta-se em bom nível e com aspirações.
Tem sido feito um trabalho notável no basquetebol do Belenenses nos últimos anos, fruto de uma enorme dedicação e capacidade de trabalho dos elementos da secção, fruto de uma aposta acertada no minibasquetebol e da estabilidade e qualidade da estrutura técnica dos diversos escalões de formação. A formação tem elevado a fasquia todos os anos. Este ano alargámos a aposta na vertente feminina, que culminou com a criação de uma equipa sénior feminina numa parceria com a Universidade Nova de Lisboa.
Em relação à equipa sénior masculina, onde poderemos chegar?
Temos a noção de que o orçamento da equipa sénior é absurdamente baixo para uma Proliga, que gastamos com todo o plantel o valor que algumas equipas da Proliga gastam apenas com um atleta do seu plantel, que o apoio financeiro que o Clube dá à modalidade é praticamente simbólico, mas temos uma secção que tem conseguido lutar contra as adversidades e ser muito rigorosa e cumpridora das suas obrigações e isso dá-nos credibilidade dentro da modalidade. Esse facto, juntamente com o impacto de termos um treinador com a reputação e qualidade do Sérgio Ramos, faz com que consigamos fazer um recrutamento acima da média e faz com que sejamos uma equipa forte para a realidade da Proliga, com naturais ambições competitivas. O objectivo passará sempre, em primeiro lugar, por assegurar a presença nos oito primeiros desta fase, para podermos discutir a subida com as equipas mais fortes da competição. Depois encararemos jogo-a-jogo como fizémos na época passada na procura de sermos felizes. Realço ainda o trabalho que a secção tem feito na procura de aumentar a assistência nos seus jogos, com resultados que já estão à vista.
Concluindo a análise pelas várias modalidades, o voleibol feminino está esta época a pagar o preço das alterações profundas que a chegada de Sporting e Benfica trouxeram ao sector feminino da modalidade. O quadro competitivo da nossa equipa é hoje extremamente complicado, certo?
A entrada desses dois clubes no sector feminino da modalidade foi positivo para a visibilidade e para o crescimento do voleibol mas alterou certamente o contexto da modalidade na região de Lisboa. Esses clubes surgiram com todo o seu poderio e estatuto, recrutaram nos clubes existentes não só atletas seniores como as melhores atletas de formação e secaram clubes à sua volta. Este ano saíram sete atletas da nossa equipa sénior, três para o Benfica e outras três para o Sporting, clube para onde já tinham saído duas atletas nossas na época anterior. Na época passada as três equipas de Lisboa foram todas disputar a fase de descida, o Belenenses conseguiu a manutenção, mas Lusófona e PEL desceram tendo esta última equipa acabado com a sua equipa sénior por não ter atletas.
O que podemos fazer? Os resultados não são animadores…
O que podemos fazer é tentar lutar contra as adversidades, não desistir e procurar seguir o nosso caminho. Continuar a apostar na nossa formação e tentar ter uma equipa sénior competitiva. Tivemos de recrutar um plantel de raíz em escalões secundários, composto por atletas com qualidade mas com pouca experiência a jogar a este nível e que vai sentir muitas dificuldades inciais. O Belenenses será o único clube da I Divisão que é amador, no sentido de não remunerar as suas atletas, e nem podemos pensar noutros moldes. Jogamos todas as semanas contra equipas que têm cinco e seis jogadoras estrangeiras, que têm atletas portuguesas profissionais ou fortemente remuneradas, e semana após semana temos melhorado, temos conseguido equilibrar melhor os jogos, tendo discutido sets e inclusive vencido sets. Costumo dizer que vamos fazer a pré-época em competição até Março, que é quando começa a segunda fase do campeonato e as quatro equipas que vão disputar a fase de descida começarão a competição com zero pontos. Até lá vamos crescer, vamos ganhar experiência e vamos entrar nessa fase mais competitivos e com capacidade de vencer jogos, sobretudo após o reforço do nosso plantel com as duas atletas que estão a fazer Erasmus até Janeiro e que regressam nessa altura vindo acrescentar equilíbrio e qualidade à equipa.
Pedro Lourenço: “Há dois ou três factores que muitas vezes são desconhecidos da maioria dos sócios”
Em várias respostas a esta entrevista refere a capacidade ou incapacidade financeira do clube…
É a nossa realidade. Há dois ou três factores que muitas vezes são desconhecidos da maioria dos sócios e que levam a uma apreciação por vezes pouco correcta da situação. O primeiro factor é que somos um clube eclético – tenho muito orgulho nisso – com quatro modalidades de pavilhão, onde os nossos principais rivais em cada modalidade têm apenas essa modalidade: temos ABC, Madeira SAD, Águas Santas, Avanca, ISMAI e outros no andebol, temos Modicus, Porto Salvo, Fundão, Lombos, Burinhosa, Azeméis e outros no futsal, temos Imortal, Póvoa, Ginásio, Angra, Sampaense e outros no basquetebol, temos Leixões, Porto Volei, AVC Famalicão, Clube K, Castêlo da Maia e outros no voleibol. Todos esses clubes canalizam os seus recursos financeiros e os seus recursos humanos para apenas uma modalidade.
O segundo factor tem a ver com os apoios camarários financeiros, que a maioria das equipas nossas rivais recebem anualmente, muitas delas com valores de centenas de milhares de euros, quando as modalidades do Belenenses recebem zero.
O terceiro factor tem a ver com os apoios camarários logísticos, ao nível de cedência gratuita de pavilhões, de oferta de transportes para deslocações, do pagamento de inscrições e seguros desportivos, do pagamento de policiamento, da oferta de equipamentos de jogo e de treino, quando as modalidades do Belenenses gastam cerca de 100 mil euros anuais com isso. E nem vou referir a nossa dificuldade em arranjar alojamento e alimentação para atletas que possam vir de fora de Lisboa, comparando com situações similares na maioria dos clubes nossos concorrentes, pois neste caso trata-se de uma responsabilidade nossa, de uma incapacidade nossa.
E o que podemos fazer para contrariar isto?
Não desistir, não atirar a toalha ao chão e não nos conformarmos com a situação. Temos de trabalhar mais e melhor. Por exemplo, o Clube não tem tido muito sucesso na angariação de patrocínios, não tem conseguido captar patrocínios para as várias modalidades – os poucos que existem são angariados directamente pelas secções – e isso é algo que temos mesmo de melhorar, é algo que estou constantemente a apelar a quem nos possa ajudar, sejam sócios com responsabilidades no Clube, sejam sócios anónimos, sejam pais de atletas das várias equipas de formação das modalidades. É claramente uma área em que temos de trabalhar mais e melhor. Outra área em que temos de fazer mais e melhor é no reforço dos recursos humanos de cada secção, pois é um trabalho muito cansativo e exigente – e muito pouco recompensador – para ser feito por um número tão reduzido de pessoas, que muitas vezes não conseguem projectar nada a médio prazo tantos são os problemas para resolver no dia-a-dia, no imediato. Precisamos de mais gente a ajudar nas modalidades.
Para terminar, tem alguma mensagem que gostaria de deixar a sócios e adeptos?
Apenas reforçar o apelo para que apoiem mais as várias equipas do Clube, para que sejam mais activos na vida do Clube e que manifestem esse apoio nas bancadas e noutros locais de decisão da vida do Clube. O Belenenses vive um momento histórico na sua vida centenária pelos motivos que são do conhecimento de todos, tem tido um forte apoio da maioria dos seus sócios e adeptos, mas todos nós devemos continuar activos e fazer um esforço suplementar nesta fase da vida do Clube para ajudar no que for necessário. Comparecer aos jogos. Apoiar as equipas. Pagar as suas quotas. Procurar ajudar o Clube e as suas modalidades na procura de pequenos apoios, de pequenos patrocínios ou mesmo com a disponibilidade para ajudar numa ou noutra função, numa ou noutra modalidade. Tudo isso é importante nesta fase da vida do Clube. Em suma, viver e contribuir para um melhor associativismo de um Clube que todos queremos consagrado e popular.