Muitos sócios são desconhecedores dos pormenores relativamente ao tipo de contratos que estão celebrados com os nossos jogadores da equipa principal. É verdade que os jogadores no fim da época desportiva podem sair sem que o clube tenha qualquer mais valia?
Os jogadores da equipa de futebol sénior do Belenenses são amadores, recebem um pequeno subsídio para os ajudar com despesas de transportes e alimentação.
Muitos deles foram formados no clube. Aqueles que têm compromisso até final da época podem sair, os que têm acordos por mais tempo só saem com acordo do clube. Por fim, por todos os que saírem e que foram formados no Belenenses haverá sempre direito ao pagamento das verbas de compensação pela formação.
De resto, é muito complicado para nós, com o pequeno orçamento de que dispomos, segurar todos os atletas que gostaríamos de ter mais tempo connosco.
Temos para oferecer o nosso nome, a nossa seriedade, um caminho feito de honra e dignidade, a oportunidade dos atletas escreverem o seu nome em letras douradas na história do clube e condições de trabalho o mais próximas possíveis do futebol profissional, só não temos capacidade financeira. Ninguém vem jogar no Belenenses para ficar rico, ou para ganhar dinheiro, vêm pela honra, pelo orgulho de nos representarem.
De resto, tenho muito orgulho em todo o nosso grupo de trabalho e se alguns tiverem que sair para patamares competitivos superiores será também sinal de que estamos a trabalhar com qualidade.

Falhados dois objectivos traçados no início da época, a conquista da Taça de Lisboa e um campeonato feito apenas com vitórias, que balanço faz da temporada?
O objectivo principal era subir de divisão e foi alcançado com brilhantismo.
Queríamos ganhar a Taça, sim, e esse foi um objectivo falhado. Já ganhar os jogos todos é uma ambição própria de um clube como o Belenenses, seja em que divisão for, mas não uma meta em si.
Posto isto, falta o objectivo seguinte que é, dia 15, ganhar o campeonato na final com o Bocal, num jogo em que apelo desde já ao apoio dos Belenenses no Estádio 1º de Maio, na Avenida Rio de Janeiro, em Alvalade.
Tenho que deixar uma palavra à nossa equipa técnica e em especial ao treinador Nuno Oliveira, um jovem que assumiu uma tarefa de grande visibilidade e de grande pressão e que soube conduzir este grupo de trabalho até ao principal objectivo, que era a subida. Já tem também o seu nome gravado na história do nosso clube, lado a lado com o de todos os jogadores que iniciaram connosco esta grande caminhada.

Sente a necessidade de reforçar a equipa de futebol sénior com mais experiência?
Estamos globalmente muito satisfeitos com a qualidade dos nossos jogadores, mas todas as equipas de futebol do mundo sofrem afinações para ficarem melhores a cada ano.
No nosso caso, há vários factores a ter em conta como a subida de atletas juniores aos seniores e a subida de juvenis aos juniores. Temos utilizado na equipa sénior vários juniores de primeiro ano que na próxima temporada serão ainda Sub-19, e tudo isso tem que ser pensado em conjugação com o facto de, ao subirmos de divisão, competirmos num patamar mais exigente.
A nossa estrutura, liderada pelo Taira, está em sintonia comigo e com a equipa técnica e tenho confiança plena de que os resultados continuarão a ser positivos até porque estamos a trabalhar nesse plano há já vários meses.

Independentemente do recurso à nossa formação mas considerando que previsivelmente 90% dos jogadores dos distritais de Lisboa gostariam de vestir a nossa camisola não considera pertinente a sugestão de tentar recrutar os melhores das outras equipas, já habituadas ao estilo de jogo e a campos sintéticos de pequena dimensão?
O futuro do Belenenses não passará pelos distritais e este projecto sempre foi anunciado como tendo por base os valores da formação. E assim o queremos manter, com o máximo possível de atletas identificados com o clube e com a sua identidade.
Com resultados positivos e perspectivas de futuro, não se vislumbra neste momento razões para mudar o rumo traçado.
Isso não impede, naturalmente, que estejamos atentos a todos os valores que possam reforçar a equipa e integrar-se neste projecto, ajudando-o a melhorar, e mentir-lhe-ia se dissesse que não existem jogadores identificados e que ambicionamos que venham a trabalhar connosco num futuro próximo.

Que armas usa o clube para segurar os maiores talentos da formação? E numa segunda questão, a SAD tem “atacado” jogadores da formação do Belenenses?
O segredo do futebol de formação passa por identificar o talento, chegar mais cedo, recrutá-lo e depois fidelizá-lo.
Nós temos muitas dificuldades para conseguir recrutar os atletas que mais nos interessam e temos também dificuldades em fidelizar os nossos melhores jogadores. Aquilo que conseguimos fazer com as limitadas infraestruturas que temos, com as questões relacionadas com a SAD nos últimos anos e com as condições que podemos oferecer nos contratos de formação, é um autêntico milagre.
Os nossos jovens atletas são hoje assediados por clubes de norte a sul do país, por clubes que têm apostado muito na formação, edificando academias de vanguarda com excelentes infraestruturas.
Se até há poucos anos só tinhamos que nos preocupar com o Benfica e com o Sporting, agora temos a concorrência de clubes como Famalição, Rio Ave, Tondela, Aves, Braga, FC Porto, Vitória de Guimarães e outros que já vêm tentar recrutar não só no Belenenses como em toda a região de Lisboa e desde tenras idades.
A SAD como clube independente e rival do Beleneneses não foge a essa regra e pode de facto recrutar atletas no Belenenses, assim eles estejam livres e queiram ir.
Há vários atletas na equipa de Sub-23 e na equipa principal da SAD que foram por eles recrutados no nosso clube. Isso não constitui um problema, o que constitui um problema é a SAD não pagar as compensações por formação ao clube e sermos obrigados a apresentar participações na FPF e na FIFA.
Aliás, desse ponto de vista, é bom que se diga que a tão falada Liga Revelação – Sub-23 está a ferir de morte os clubes formadores em Portugal porque algumas das SAD’s participantes recrutam atletas a clubes formadores, celebram contratos de trabalho desportivo com os atletas, não os registam, os atletas continuam a ter vínculo de atleta amador pensando que são profissionais, e assim são ludibriados não só os atletas como também os clubes formadores que ficam impedidos de reclamar os direitos de formação.
E tudo isto perante a total passividade da Liga e da FPF que optam por calar e fazer de conta que está tudo bem.

Após a legítima decisão dos sócios em AG de criar uma equipa de futebol na última divisão e a possibilidade de conquistar “novos adeptos” que se movam por uma causa inédita num clube da dimensão do Belenenses, considera que ficaram aquém das expectativas as assistências no Restelo e o recrutamento de novos associados?
O número de associados tem vindo a crescer de forma sustentada desde Julho do ano passado e esperamos ainda este ano chegar aos 10 mil, estamos muito próximos. Este caminho de pedras, sendo de pedras, fez com que muita gente que estava afastada, desiludida, regressasse ao Restelo de forma entusiástica.
Alguns pagando anos e anos de quotas que tinham ficado atrasadas.
Relativamente aos jogos no Restelo, tivemos jogos fantásticos com 5 ou 6 mil pessoas e outros em que fomos muitos menos. É natural que haja oscilações, não só devido ao frio e à  chuva, mas também a uma eventual percepção que a dada altura possa ter havido de falta de competitividade.
Nos jogos fora, por exemplo, tem havido uma quantidade muito consistente de adeptos a marcarem presença salvo num ou noutro jogo.
O caminho é longo e cremos que o futuro nos trará um crescimento sustentado de adeptos no Estádio do Restelo.
Aliás, olhando para muitos jogos da I Liga, tomaram algumas equipas terem tantos adeptos como o Belenenses no último escalão distrital, na sexta divisão do futebol português.
Chega? Não chega, mas é um facto…

Que balanço faz de uma época nos distritais, no escalão mais baixo, a conviver com os clubes mais humildes? É desprestigiante para o Belenenses?
Nunca é nem será desprestigiante conviver com os mais humildes, tão pouco fazer o caminho que tivermos de fazer desde que o façamos com dignidade.
Da parte dos sócios do Belenenses e dos nossos atletas, assisti sempre a um comportamento de acordo com a nossa grandeza social e desportiva.
Da parte dos adversários fomos sempre recebidos com desportivismo e amizade, por homens e mulheres que em muitos casos já conhecia mas que hoje admiro ainda mais, que nas suas comunidades se substituem ao Estado promovendo a prática desportiva e afastando os mais jovens da droga e da delinquência. E mesmo quando houve rivalidades – coloque rivalidades entre aspas para não ser mal interpretado – mais acicatadas, ficaram sempre dentro do relvado, como deve ser.
Ver o Belenenses nas distritais pode ser desprestigiante, sim, mas para quem legisla e comanda o futebol em Portugal: admito que sintam vergonha pela situação criada mas um dia, com a ajuda desse grande calmante que é o tempo, todo o país saberá o que se passou e algumas pessoas ficarão mal no retrato.
É até um risco desnecessário e uma evidente falta de vontade política de resolver o assunto, tanto mais que estes fenómenos de litigiosidade entre clubes e SAD’s se vêm repetindo por todo o país e, em vésperas de eleições legislativas, será até útil que as diversas forças políticas digam o que entendem a este respeito e sobre a necessidade de alterar uma legislação que tem desde logo o grande problema de chocar de frente com a realidade.
Em Espanha já perceberam que não existe qualquer necessidade de que para competir numa prova profissional um clube ou uma associação desportiva se tenham que constituir obrigatoriamente como sociedade. Em Portugal chegará o dia em que o poder politico também perceba isso ou em que pelo menos a questão seja fortemente mitigada.
O Belenenses, no entanto, não pede nada a ninguém.
Sabemos que o nosso lugar não é nos distritais, sabemos que tem sido cometida mais uma injustiça contra o nosso emblema centenário, mas jamais ficaremos a um canto a lamentar-nos. Fomos à luta sem medos, faremos o nosso caminho e chegaremos ao nosso lugar, é isso que todo o país desportivo e toda a sociedade civil, a cada dia que passa, percebem melhor.

Não sente vergonha da ideia de se fazer um piquenique no dia da final do campeonato?
Pelo contrário. O Belenenses é um clube consagrado e popular e tudo o que seja promover a proximidade de famílias com o fenómeno desportivo é a razão da nossa existência.
Mas vou mais longe. Os piqueniques são historicamente aclamados aquando da realização da final da Taça no Jamor, precisamente por serem uma expressão da festa do futebol. Queremos é que o Belenenses tenha possibilidade de levar os seus adeptos a muitas festas do futebol e a discutir muitos títulos, de preferência nas finais da Taça que tantas alegrias nos deram no passado e darão no futuro.

Se falhar o objectivo de ser campeão ou nalgum ano a equipa não subir de divisão colocará o seu lugar à disposição?
O lugar não é meu, é dos sócios do Belenenses e só aqui estou enquanto eu quiser e os sócios também quiserem.
Tenho apenas a honra de poder presidir ao nosso clube neste momento mas no dia em que os sócios entenderam que devo sair, sairei.
O que nunca farei é fugir na adversidade, exactamente ao contrário: se por acaso não ganhássemos um campeonato ou não subíssemos de divisão seria o primeiro a chegar ao Restelo no dia seguinte para começar a trabalhar com força redobrada para corrigir os erros. Desistir não é comigo, da mesma forma que não é com os Belenenses.
Agora, estou e estarei sempre nas mãos dos sócios que são os únicos donos do clube.

Como avalia a época desportiva que agora findou no futebol de formação? Nomeadamente a nossa equipa de juniores, que fez uma época aquém das expectativas. E como é que pretende inverter este aparente ciclo negativo e convencer os jovens do projecto desportivo do Belenenses?
Temos 4 quatro equipas de especialização no futebol de formação:
– os Sub-15 que disputam o Campeonato Nacional e que este ano disputaram o Play-off final nos Açores, que daria acesso à fase final de apuramento de Campeão Nacional;
– os Sub-16 que disputam a Divisão mais alta da AFL competindo contra atletas mais velhos e que ficaram em 3º lugar apenas atrás de Benfica e Sporting;
– os Sub-17 que estão a disputar ainda a fase final de apuramento de Campeão Nacional com FC Porto, Sporting, Benfica, Braga e Vitória de Guimarães;
– e temos os Sub-19, os nossos juniores, que este ano falharam o acesso à fase final de apuramento de Campeão Nacional, tendo-se classificado depois no 2º lugar da fase de despromoção, atrás da Académica, num campeonato onde por exemplo Marítimo e Boavista desceram de divisão.
Este ano nos Juniores fizemos uma aposta deliberada e consciente numa equipa constituída em 90% por atletas de 1º ano. No último jogo, por exemplo, jogou apenas um atleta de 2º ano, foi uma aposta consciente e acertada porque no futebol de formação gostamos de formar a ganhar, diferente de formar para ganhar, mas não somos resultadistas. Estamos a trabalhar para conseguirmos fazer chegar cada vez mais atletas ao futebol sénior, é esse o nosso desígnio e a nossa vocação, mas repito, sem perdermos a ideia de formar a ganhar.
Temos uma verdadeira família no futebol de formação, que estará cada vez mais articulado com o nossos futebol sénior à medida que formos subindo divisões.
Não é por acaso que alguns dos nossos principais treinadores e o nosso director do futebol de formação, o Prof. João Raimundo, são constantemente assediados e objecto de ofertas de trabalho por parte de outros clubes e SAD’s nacionais e internacionais. Felizmente, fruto da grande amizade, companheirismo e espírito de grupo reinante, vamos conseguindo que se mantenham connosco.

Como segurar os melhores jogadores da formação tendo em conta a divisão actual em que o Belenenses participa?
Vestir a camisola do Belenenses e integrar um projecto como aquele a que nos propomos é aliciante para todos os jovens, sobretudo para os que conhecem a grandeza do clube. Quem passa pela formação do Belenenses conhece a nossa forma de trabalhar e sabe que há futuro no Restelo.
A prova disso é que temos no plantel actual jovens que foram vice-campeões nacionais de juniores, futebolistas que estavam em clubes do Campeonato de Portugal e optaram por vestir a nossa camisola. É até com satisfação que lhe asseguro que não faltam interessados em vestir a camisola da Cruz de Cristo.
No entanto, é como lhe digo: é sempre possível que alguns vão saindo até porque há um forte assédio à volta deles nomeadamente de todas as SAD’s que têm equipas de Sub-23 e, se alguns porventura mais clarividentes e melhor aconselhados resistem a esse assédio, outros há que não resistem.
Diria que enquanto não formos escalando divisões fica mais complicado segurarmos todos os que gostaríamos de ter connosco.

Há intenção de diversificar as zonas geográficas das escolas de formação do Belenenses?
Evidentemente que sim. As escolas de formação do Belenenses estão em constante expansão e há sempre interesse em chegar mais longe e a mais locais, aproximando mais jovens do Belenenses. Posso aliás anunciar que já a partir da próxima época teremos dois novos polos em Loures e em Vialonga.

O futebol feminino tem vindo a ganhar visibilidade a nível nacional e internacional. Existe alguma perspectiva de reintroduzir o futebol feminino no clube?
Para já não. O Belenenses quer vincar o seu ecletismo permanentemente mas quer fazê-lo com os pés assentes no chão e apostando em algumas modalidades onde pensamos que é possível ir mais longe e com resultados consistentes.
Seria muito fácil jogar a cartada do populismo dizendo que sim a todos os projectos de novas modalidades que nos apresentam e que genuinamente gostávamos de abraçar, mas nós sabemos o que herdámos em 2014 e fazemos questão de cumprir com os compromissos para com atletas e equipas técnicas, ainda que isso nos custe alguns lugares nas respectivas classificações.
Naturalmente que também sabemos fazer esforços e esticar um pouco a corda quando isso se justifica, mas sempre dentro dos limites do que é razoável.
À semelhança de muitas outras modalidades, o futebol feminino vem crescendo em visibilidade à custa de uma lógica que já encontramos em muitas outras disciplinas desportivas e que é muito perversa: clubes como o Belenenses, que vivem exclusivamente das suas receitas e sem subsídios camarários, vêm-se na contingência de competir com clubes que muitas vezes têm uma só modalidade sendo essa modalidade fortemente suportada por orçamentos municipais que pagam salários, alojamentos e alimentação, o que equivale a dizer que nós, sócios do Belenenses, acabamos por pagar os nossos orçamentos e os orçamentos dos outros pela via indirecta dos impostos que todos pagamos.
Isto distorce por completo o equilíbrio de qualquer competição. A isso somamos o facto de haver clubes que em muitas modalidades acabam por conseguir secar o mercado, contratando os melhores atletas, os segundos melhores atletas e os terceiros melhores atletas, com orçamentos milionários e sem qualquer racional.
Ora, estivemos no futebol feminino onde tudo o que acabei de dizer é particularmente evidente e concluímos que não seria lógico continuar a gastar aí os recursos de que dispomos. Evidentemente que temos pena de não poder acompanhar, mas preferimos acarinhar o desporto feminino onde nos é possível sermos mais competentes e competitivos: no voleibol, no futsal, na natação, na formação de basquetebol, no triatlo, no atletismo.

 

// Leia a entrevista na íntegra:

  1. «Claro que podemos subir à Liga, vamos mesmo voltar ao nosso lugar!»
  2. «A SAD nada tem a ver com o Belenenses. É um rival como os outros»
  3. «Muito em breve teremos boas notícias da CML sobre o projecto do Lidl»
  4. «Eleições? Venham Muitas candidaturas, mas este caminho terá continuidade se os sócios quiserem»
  5. «Fizemos época excepcional no Andebol sem cometer loucuras»
  6. «As empresas percebem que deste lado existe credibilidade»