Numa fase decisiva da temporada desportiva 2018/2019, quando a nossa equipa de Honra se encontra na luta pelo bi-campeonato e também pela conquista da Taça de Portugal, o site oficial do Belenenses foi conversar com o técnico principal do Rugby do Belenenses, João Mirra. A conversa acabou por abordar temas diversas do dia-a-dia da modalidade, realçando a ligação do Rugby do Belenenses ao Clube e enfatizando o desejo de uma crescente ligação dos sócios e adeptos à modalidade.

João, o Belenenses defende este ano o título nacional conquistado na época 2017/2018. Que balanço fazes da época em curso?
A época está a correr bem, mas nós não trabalhamos com a defesa do título como principal motivação. Cada época é no fundo um processo novo, este grupo de trabalho sénior do Rugby sofreu várias alterações relativamente ao grupo do ano passado – por motivos académicos, profissionais e familiares – e estas alterações fazem com que todos os anos sejamos confrontados com novos desafios, integrando novos elementos e procurando manter e melhorar o desempenho da equipa. A equipa 2018/2019 não é a mesma do ano anterior, apesar do trabalho estar assente nas mesmas ideias e premissas. É todavia importante ter em conta que a ausência de uns é uma oportunidade para outros jogadores aparecerem, independentemente de querermos sempre que todos fiquem. Sabemos que o Belenenses nunca foi bicampeão de Rugby e é claro que gostaríamos de dar ao Clube essa alegria. A partir do momento em que és campeão ficas pelo menos na lista dos candidatos ao título da época seguinte. Nós temos consciência disso, sabemos que estamos nesse grupo de equipas e gostamos dessa pressão porque sabemos lidar com ela. Em todo o caso não é isso que nos move diariamente. O nosso foco diário, desde a primeira reunião da época 2017/2018, é o treino.

Vamos agora entrar na fase mais decisiva da época já que o campeonato se aproxima do fim e que o Belenenses se mantém em prova na Taça de Portugal. Quais são as tuas expectativas?
Bem, na presente temporada o modelo competitivo é diferente sendo que o campeão será encontrado num confronto directo do primeiro com o segundo classificado da fase regular, e por isso nós queremos ficar numa dessas duas posições, para podermos disputar o título nacional. Faltam apenas três jogos e o nosso foco é assegurar uma das vagas na final e, uma vez nela, tentar ganhar.

E relativamente à Taça?
Na Taça estamos nos quartos-de-final e vamos jogar com o CRAV (Clube de Rugby de Arcos de Valdevez), em Arcos de Valdevez uma vez que até aos quartos-de-final o jogo é sempre disputado no campo da equipa de divisão inferior, o que é o caso.

Arcos de Valdevez é sempre uma deslocação difícil…
Sim, é. Desde logo porque a nossa equipa é muito jovem e por vezes, quando as deslocações são grandes, perde um pouco a concentração no objectivo da deslocação e no jogo. Temos vindo a melhorar esta gestão do stress da competição, procurando aliar um dos aspectos mais importantes deste grupo, que é a grande amizade entre os jogadores, com uma postura mais focada na competição nestas deslocações a campos de adversários que não são na zona mais próxima de Lisboa, que é onde se encontram a maioria das equipas que jogam connosco.

Esta equipa é muito jovem, como bem referes, e encontra-se alicerçada fundamentalmente nas boas escolas de Rugby do Belenenses. Que diferenças encontras entre estes campeões de 2017/2018 e a equipa de que fizeste parte com jogador e que também venceu o campeonato dez anos antes, em 2007/2008?
Há uma diferença enorme entre viver os títulos como jogador ou como treinador. Em 2007/2008 eu era jogador da equipa e vivi o título conquistado de uma forma muito diferente daquela que experimentei no ano passado, como treinador. Talvez por isso seja difícil eu comparar o que vivi como jogador com o que vivi como treinador. Quando somos mais novos vivemos tudo no momento, sem uma perspectiva mais abrangente. Há todavia aspectos comuns na medida em que ambas as equipas tiveram sempre jogadores mais velhos e mais experientes a enquadrar o trabalho e a identidade da equipa. Eu como jogador pude conviver com jogadores como o Netto (Pedro Netto), o Frederico Abecassis ou como o “Balula” (António da Cunha), que asseguravam a transmissão de valores aos mais novos. Os jogadores da equipa actual também têm essa possibilidade já que fazem ou fizeram parte da equipa campeã jogadores como o Sebastião (Sebastião da Cunha), o Miguel Fernandes, o Vasco Poppe ou o Salvador (Salvador da Cunha). Nesse aspecto há semelhanças importantes.
Outra questão relevante, e comum às duas equipas, diz respeito à forma como o Belenenses trabalhava e trabalha a formação, sem olhar fundamentalmente para resultados (apesar dos bons resultados que os escalões mais jovens conseguem nos respectivos campeonatos) mas sobretudo para a preparação de jogadores e para o seu desenvolvimento individual, no quadro de uma modalidade colectiva, para ganharmos no sítio certo, ou seja, nos seniores. Ganhar nos escalões mais jovens é importante… mas não é o foco principal. Isto faz com que os jogadores mais jovens cheguem aos seniores com uma forte identidade de Clube e de grupo. Nós em 2007/2008 tínhamos de facto essa identidade e eu hoje vejo algo de muito semelhantes nestes jogadores.
Em todo o caso, e para ser totalmente sincero, acho que este grupo tem mais qualidade.

Em termos técnicos, físicos…
O desporto, não apenas o Rugby mas a generalidade das modalidades, mudou muitos nos últimos anos e por isso não é fácil nem é justo comparar contextos tão diferentes. Felizmente o Belenenses enquanto Clube pode dar hoje às suas equipas condições melhores do que aquelas que tinha há alguns anos atrás. No caso do Rugby há um mérito especial para aqueles que aguentaram a equipa nos momentos mais complicados, e que transportaram a identidade e a resiliência do passado para o momento actual. As equipas do passado trabalharam em condições bem diferentes daquelas que hoje podemos dar aos nossos atletas e esse é um mérito fundamental, que está na base do sucesso actual. Respeitamos muito as referências do passado, aqueles que pelo exemplo abriram caminho à actual realidade do Clube, e aqui não me refiro apenas ao Rugby.

Entretanto o Belenenses passou a contar com instalações 100% dedicadas ao Rugby, uma velha aspiração da secção. Que importância reconheces ao Belenenses Rugby Park na consolidação do trabalho desportivo da secção?
O Belenenses Rugby Park é fundamental na medida em que permite à secção organizar e gerir autonomamente o seu planeamento de treino e de competição. Isto não tem nada a ver com “independência” relativamente ao Clube. Até porque o Rugby continua a jogar, nomeadamente no escalão sénior, e a treinar, no que se refere aos escalões mais jovens, no Campo 2 do Estádio do Restelo.
Ter uma casa totalmente dedicada ao Rugby permite-nos realizar treinos “fora de horas”, permite aos atletas fazerem treino individual na medida em que sabem que o campo e o material de treino está lá ao seu dispor. No fundo temos agora condições de trabalho excepcionais…
Agora, nós gostamos muito de fazer parte do Clube de Futebol “Os Belenenses”, queremos muito continuar a jogar no Restelo e o facto de termos um campo de Rugby não transforma a secção de Rugby num clube à parte nem uma “ilha”.
Uma das forças do Belenenses é a sua heterogeneidade e eu creio que o mesmo princípio se aplica ao Rugby como parte de um Clube maior, com várias modalidades e que não é apenas de uma modalidade, seja Rugby, Basquetebol, Futebol ou outra. Aliás, o actual contexto do Clube possibilitou uma maior visibilidade às modalidades, que acabaram e acabam por se constituir como mais um elemento de união dos belenenses.

Essa ligação do Rugby ao Clube acaba por ganhar expressão por exemplo no facto da equipa principal de Rugby disputar os seus jogos no Restelo…
Os seniores e não só porque todas as equipas abaixo do escalão Sub-14 continuam a treinar aqui no Restelo: Sub-8, Sub-10 e Sub-12.

Ou seja, o Restelo continuar a ser a casa do Rugby do Belenenses, o que reforça a ligação dos sócios e adeptos à sua equipa de Rugby, concordas?
Por princípio não nos queixamos da falta de público, até porque no ano passado tivemos bastante apoio. Jogar pelo Belenenses é para nós uma forma de exprimir a nossa identidade e ligação não apenas ao Rugby do Belenenses mas ao Clube como um todo. Creio que se os sócios e adeptos sentirem isso, e mesmo que não compreendam bem o Rugby, acabarão por se aproximarem da equipa. É claro que as vitórias atraem mais apoio, mas na verdade há hoje uma identificação entre os sócios e adeptos do Belenenses e a sua equipa principal de Rugby por nela reverem aspectos essenciais do Clube.
Para nós é fundamental o apoio da família e dos atletas do Clube, mas é igualmente importante termos connosco a Fúria Azul, o adepto que vem do futebol e que acaba por assistir a um jogo nosso, antes de ir para o pavilhão assistir a mais um jogo de outra modalidade… E acreditamos que os belenenses nos acompanham porque nos reconhecem valor na forma como representamos o símbolo da Cruz de Cristo.

Por fim, João, queres deixar alguma mensagem aos sócios e adeptos que vão ler esta nossa conversa?
Sim, claro. Gostava de lhes dizer que eu não sou do Rugby do Belenenses. Eu ainda não fazia ideia sobre o que era o Rugby e já acompanhava o Belenenses com o meu pai, já ia ver o Belenenses jogar fora, incluindo em jogos da 2ª Divisão. Depois descobri o Rugby através de uma acção da Académica de Coimbra na Figueira da Foz e só nessa altura vim para o Rugby do Clube. E por isso é sem demagogia da minha parte, até porque reconheço que nós na secção de Rugby também temos responsabilidades nisso, que gostaria de poder afirmar que o Rugby é do Belenenses, é uma modalidade integrante do Clube, não é uma realidade à parte. Também há muitos sócios e adeptos que continuam a olhar para o Rugby como um contexto à parte, no qual há muita gente do Belenenses mas também muita gente que não é do Belenenses. Ora, a verdade é que a maior parte das pessoas ligadas ao Rugby do Belenenses são efectivamente belenenses, ou seja, são cem por cento Belenenses Rugby mas são igualmente adeptos do andebol, do futsal, do voleibol feminino, do basquetebol e do futebol. Esta é uma realidade de que gostamos e que estimulamos muito.
Dito isto, gostaríamos naturalmente de poder contar com o apoio de todos, gostaríamos que os sócios e adeptos sentissem prazer em ver os nossos jogos, que se sentissem identificados com a forma como representamos o Clube.
Nós somos do Belenenses, queremos fazer parte do Clube como um todo, e nesse sentido gostaríamos de poder contar com o apoio dos belenenses tal como acontece com outras modalidades.