No início de mais uma época desportiva do Futsal do Belenenses, fomos ouvir o técnico Carlos Teixeira para saber das expectativas para a próxima época fazendo ainda um balanço da sua carreira ao serviço do nosso Clube.

No início de mais uma época desportiva, a tua quinta época como treinador principal do Belenenses mas a décima terceira ao serviço do Clube, já te sentes parte da mobília?
Mais do que fazer parte da mobília, sinto-me parte da família. Da família que nasceu há 13 anos, que sinto como minha e que ajudei a crescer.

Esse facto dá-te mais responsabilidade?
Não. A responsabilidade é inerente ao cargo que ocupo e inerente ao que sou enquanto homem e ao respeito e amor que tenho pelo Clube.

Sentes que, de certa forma, olham para ti como alguém que foi passando os valores do Clube ao longo destes anos?
Espero que sim. Os valores do Clubes através de uma modalidade da qual fiz parte da primeira equipa, fui capitão dessa equipa, estive no primeiro treino, na primeira conversa do grupo, onde fiz parte do nascimento de algo muito importante para nós todos e para o Clube, e ao longo dos anos tenho tentado passar a todos os elementos do nosso grupo aquilo que é vestir esta camisola e o respeito e orgulho de carregar este símbolo no peito.

Quem te conhece bem, sabe que por detrás dessa figura fria e imperturbável está alguém de sangue bem quente e com uma alma imensa; é assim?
(risos) É verdade que só quem convive comigo é que me conhece realmente e estou muito longe de ser “frio e imperturbável”, antes pelo contrário, sou até bastante emocional, com as emoções muito à flor da pele.

É essa a imagem que gostas que as tuas equipas tenham?
Gosto que as minhas equipas tenham a capacidade de gerir as emoções, de gerir os momentos do jogo, que se entreguem emocionalmente ao jogo, que sejam agressivas, aguerridas, atrevidas e com sangue quente. Que sejam isto tudo e ao mesmo tempo se mantenham colectivamente “frias e imperturbáveis”.

Quem é o Carlos Teixeira fora do Futsal?
Sou uma pessoa normal, tranquila, de família e dos amigos, com gostos comuns à maioria das pessoas.

O que transportas da tua vida pessoal e profissional para o Futsal?
Não há dois Carlos Teixeira. O meu “eu”, a minha forma de estar e de ser, as sensibilidades e sensações, sou muito transparente e tudo isso é o que sou na vida pessoal, profissional e enquanto treinador de futsal.

És viciado em Futsal? Ou és viciado no teu projecto e na tua equipa?
Adoro o jogo, mas viciado serei no meu Clube, na minha equipa e nos “meus” que trabalham comigo diariamente e que partilham comigo as emoções de uma época desportiva.

Como vês a evolução do Futsal em Portugal?
Houve claramente uma evolução a todos os níveis. A Federação Portuguesa de Futebol tem feito um esforço enorme para essa evolução, tem um Vice-Presidente para o Futsal que faz um trabalho notável, tem dirigentes melhor preparados, melhores árbitros, melhores jogadores e treinadores mais qualificados. Foram criadas novas competições, trabalha-se cada vez melhor na formação e apenas o contexto económico do país não permite um maior equilíbrio na Liga SportZone, pois temos orçamentos muito desequilibrados, com equipas profissionais, semi-profissionais e amadoras a competirem juntas na mesma prova.

Tens saudades dos teus tempos de treinador da formação?
Não. Tenho saudades, isso sim, de alguns jogadores que treinei. Sinto que fui importante na evolução deles enquanto atletas e enquanto homens. Foi uma fase muito importante da minha formação como treinador, mas é o passado.

Quem foram os teus melhores jogadores na formação?
Felizmente tive vários atletas que hoje jogam na Liga SportZone, na minha primeira época completa como treinador dos seniores construí um plantel com sete ex-juniores que tinham sido treinados por mim na época anterior. Respondendo à questão, sem querer ser injusto, a ter de escolher, diria o Bruno Pinto.

O que achas desta regulamentação que transformou as equipas juniores em Sub-20?
Estou totalmente de acordo. Defende-se claramente o jogador, dando-lhe mais um ano de formação, de crescimento e maturação, numa idade em que têm sobretudo de jogar, permitindo-lhes chegar aos seniores com outra bagagem.

Sentes que poderias ter tido um desempenho ainda melhor nas tuas equipas de formação se essas equipas fossem de Sub-20?
Respondendo rapidamente diria que sim, mas a verdade é que essa regra também se aplicaria aos outros, pelo que não traria vantagens. As coisas aconteceram como tinham de acontecer e o que ficou é um enorme orgulho no trajecto realizado e nos feitos alcançados.

Falando ainda da formação, na época 2014/15 o Belenenses construiu o seu plantel sénior com sete jogadores Sub-20. Hoje farias a mesma aposta?
Foi um conjunto de circunstâncias que levaram a essa aposta. Sobretudo uma fornada de miúdos com muita qualidade e o Clube sem capacidade financeira para uma aposta em jogadores mais experientes. Hoje em dia, com os objectivos a que nos propomos, seria muito difícil repetir essa aposta e ter tantos Sub-20 no plantel.

Essa equipa fez uma época excelente, estando muito tempo nos lugares cimeiros e terminando o campeonato em oitavo, conquistando um lugar no play-off. Naquele contexto foi excelente…
Foi de facto uma época excelente. Uma equipa de miúdos com dois velhos (Drula e Cautela) que equilibravam a equipa, em que todos vaticinavam a nossa descida, mas surpreendemos e, fruto de uma primeira volta espectacular, conseguimos atingir o play-off.

Sentes que o Clube apostou em ti? E que passados estes quatro anos, a tua evolução enquanto treinador justificou essa aposta?
Houve claramente a coragem de apostar no treinador dos juniores, numa época em que era crucial subir de divisão, e mais tarde, houve novamente essa coragem, no início da época 2015/16, quando após cinco derrotas nas primeiras cinco jornadas apresentei a demissão e não aceite, tendo sido dito claramente que era para continuarmos juntos e dar-mos a volta juntos. São esses os dois principais momentos em que senti essa aposta. Em relação à segunda parte da questão, não serei a pessoa ideal para avaliar essa evolução, mas sinto que o futsal apresentado nesta última época espelha a evolução de toda a Secção, de todos nós.

A nível global, o Clube considerou esta última época como a melhor de sempre. Concordas com essa análise?
Sem dúvida. Os seniores masculinos e as seniores femininas atingiram os objectivos propostos e que eram ambiciosos, os juniores e juvenis estiveram nas finais das competições realizando épocas excelentes, e os iniciados masculinos e as juniores femininas tiveram prestações desportivas muito positivas com excelentes classificações, fruto do trabalho de um conjunto de pessoas válidas que se dedicam diariamente a este projecto. Sem referir os atletas da formação convocados para as diversas selecções nacionais e distritais. Enquanto Secção, atingimos um nível de excelência do qual não pretendemos baixar.

Sentes que, de alguma forma, a unidade que transparece entre todos os escalões da Secção, onde é habitual ver elementos de um escalão a assistirem aos jogos dos outros escalões, contribuir para solidificar estes resultados e para reforçar a identidade do Clube?
Sem dúvida que é fundamental essa união, esse espírito e essa partilha de momentos e de conhecimentos. Desde sempre que se fomentou essa forma de estar, esse ADN e esse “vestir de camisola” na nossa Secção, sendo que destaco nesse particular o papel do nosso director desportivo, o Nuno Lopes, que tudo faz para passar essa mensagem.

Os seniores cumpriram os objectivos principais, obtendo 16 vitórias na Fase Regular e terminando no quarto lugar. Achas que poderíamos ter ido mais longe?
Conquistámos 16 vitórias, regressámos aos quatro primeiros da classificação, mas sobretudo reconquistámos o respeito de toda a comunidade futsalística numa competição onde seríamos o sétimo ou oitavo orçamento, com um plantel totalmente renovado, e onde conseguimos uma presença nas meias-finais da Taça da Liga. Foi de facto uma excelente época, mas somos ambiciosos e queremos sempre mais. Ficaram os amargos de boca da meia-final perdida para o Fundão na Taça da Liga e a derrota no terceiro jogo do Play-off diante do Modicus.

Agradou-te a qualidade do futsal praticado pela nossa equipa?
Tenho que ser sincero e, na minha opinião, o Belenenses foi das equipas que melhor jogou futsal na época passada. Jogámos um futsal positivo, alegre, bastante competitivo, com uma constante procura do golo, nunca desvirtuando aquilo que é o nosso ADN, que é a luta e a ambição de ganhar em todos os pavilhões.

A dada altura, alguns comentadores avalizados da modalidade, disseram que havia jogadores que mereciam uma chamada à Selecção Nacional. O que pensas tu?
Colocar um jogador na Selecção Nacional é sempre um orgulho e um reconhecimento do nosso trabalho e em alguns momentos, na época passada, senti que isso poderia ter acontecido. Respeito as opiniões desses comentadores, mas também respeito e confio nas escolhas do nosso seleccionador.

O que pensas da nossa Selecção? Concordas com a forma como está a ser processada a renovação dos atletas seleccionáveis?
Não tenho que concordar ou deixar de o fazer. O seleccionador tem toda a legitimidade e está qualificado para fazer essa renovação como bem entender. Se questionarmos vinte treinadores sobre este processo todos terão uma opinião própria e eu não fujo à regra, e poderia aqui ou ali fazer de forma diferente, mas confio e apoio o trabalho do nosso seleccionador.

A época finda foi de “passagem de testemunho” da gestão do futsal do NAF para o Clube. Tu que viveste estas várias gestões, com que ideia ficaste?
Para nós, grupo de trabalho, foi uma situação muito pacífica e que não teve impacto directo, até porque as pessoas são as mesmas, a ambição é a mesma, e ganhámos inclusive o apoio do Clube, da Direcção e do Presidente, sendo que o rigor, a transparência, o cumprir das obrigações por parte do Clube e o apoio à nossa equipa foram cumpridos na íntegra.

Foi também a época da aposta no futsal feminino. Que opinião tens sobre isso?
Julgo que foi uma aposta certeira, no momento certo, porque o futsal feminino está em franco desenvolvimento e porque tivemos a capacidade de recrutar para esse projecto gente muito competente, gente muito ambiciosa, que trouxeram uma lufada de ar fresco à nossa Secção. Os resultados estão à vista, comprovam a aposta feita, e acredito que chegando ao Campeonato Nacional seremos em pouco tempo uma referência da modalidade.

A época começa hoje. O que espera desta época?
Acima de tudo que seja mais uma grande época da nossa Secção. Que todos possamos atingir os objectivos propostos, e referindo-me particularmente aos seniores, espero o habitual: muito trabalho, muitas dificuldades, mas sobretudo muita vontade de fazer bem e de chegar ao final com a consciência de quem deixou tudo em campo pelo Belenenses.

Sabendo que o orçamento da Secção se mantém inalterado, conforme aprovado em Assembleia-Geral pelos sócios do Clube, os objectivos desportivos são também os mesmos?
Os objectivos passam por sermos competitivos em todos os jogos, por desenvolver um estilo de jogo atractivo e objectivo, por fomentar cada vez mais um “jogar à Belenenses” e continuar a trazer de volta os adeptos, sócios e simpatizantes do Belenenses às nossas bancadas. Desportivamente vamos lutar pelos 4/5 primeiros da Liga SportZone e por estarmos presentes na final-8 da Taça de Portugal e da Taça da Liga. Queremos estar presentes em todas as decisões.

Quando te propuseram a renovação, um dos teus desejos foi que o Clube conseguisse manter toda a equipa técnica, plantel e respectivo staff. Foi isso que aconteceu?
Era um dos meus desejos, de facto. Em relação à equipa técnica, de que sou o rosto mais visível, existe toda uma equipa que me apoia e ajuda no dia-a-dia e que sem eles seria muito difícil de conquistar o que quer que seja, e queria continuar a contar com o Ramiro Antão, o Canina e o Gonçalo Farinha. Quanto ao plantel, acredito muito nos jogadores que tivemos na época passada, que fizeram uma grande época, e inclusive acredito que os que estiveram menos bem possam finalmente corresponder esta época às expectativas que depositamos e que sei que têm capacidade para o fazerem. De um grupo de 15 elementos renovámos com 12 jogadores, saindo dois atletas por opção deles – o Pinto e o Julião -, e o Cláudio, que com muita pena de todos nós na Secção não tivemos condições de manter, sendo três jogadores com quem gostámos muito de trabalhar.

O plantel dá garantias? Ou gostavas de mais algo?
Eu não fujo à regra e como todos os treinadores nunca estou satisfeito. Sinto que nos falta algo, quero trabalhar com os melhores, mas dito isso estou muito satisfeito com os jogadores que temos, com esta aposta na continuidade, e acredito muito neste grupo. A expectativa é a melhor, de crescermos todos enquanto equipa, e que a soma das individualidades possa formar um colectivo mais forte e que os jogadores que na época passada estiveram num nível um pouco abaixo do esperado, possam ser os nossos reforços para esta época.

O que falta para que possamos voltar a disputar troféus?
Temos de ter consciência da realidade e perceber que competimos com armas desiguais em relação às equipas que lutam pelos títulos. Sporting e Benfica têm orçamentos brutais com planteis de enorme qualidade, e depois temos mais duas ou três equipas que, sem nunca o admitirem, também são profissionais. E mais algumas que fizeram esta época um investimento bem superior em relação à época anterior. Partimos para esta época com o 8º ou 9º orçamento da Liga SportZone, sem jogadores profissionais, mas isso não nos inibe de tentar, de termos a ilusão e o sonho de lá poder chegar e de que tudo faremos para o conseguir. O ano passado vencemos na Luz, será que alguém para além de nós acreditava nisso? Temos de ter sempre essa ambição.

Na época anterior foram vários os atletas da equipa de Sub-20 que foram chamados a treinar com a equipa sénior. Essa aposta será para manter?
De facto, o ano passado chamámos vários atletas para virem treinar connosco, para os conhecer melhor noutro contexto competitivo, e entendi, a certa altura, que os elementos que deram melhor resposta foram alguns atletas com idade sub-18 ou sub-19, que vão continuar a integrar o plantel dos sub-20 esta época, em que detectei algumas características que me interessaram bastante, que quer ver trabalhadas este ano junto da equipa sénior, para confirmar essas boas impressões e estudar a sua integração no plantel sénior no final da época. Curiosamente os jogadores sub-20 que treinaram connosco não deram essa resposta.

A recuperação da competitividade do nosso Futsal não foi acompanhada pelo regresso dos sócios e simpatizantes do Belenenses às bancadas do Acácio Rosa…
Tivemos em determinados jogos uma melhoria na assistência dos nossos jogos, mas não foi o desejado. Não sou a pessoa ideal para perceber o porquê desta situação, mas sei que as modalidades de pavilhão do Belenenses – Andebol, Basquetebol, Futsal e Voleibol -, que competem contra realidades completamente distintas fazendo das tripas coração para honrarem o símbolo que envergam, merecem muito mais apoio, merecem sentir o Acácio Rosa a empurrá-las para a vitória nos jogos mais difíceis e merecem o conforto de sentir que estão a jogar em casa.

Para terminar esta entrevista, guardas algum sonho para concretizar?
Ganhar um troféu com os seniores do Belenenses. E tenho ainda um sonho muito particular, de criar uma identidade de jogo com qualidade, que as pessoas pudessem entrar num qualquer pavilhão deste país e, mesmo sem olharem para as camisolas, assumissem que é o Belenenses.