É o Dia da Saudade, como decidido logo a seguir à data fatídica. Foi realmente nesta data que faleceu o nosso principal fundador, aquele a quem, nas palavras de Acácio Rosa, devemos “o ideal que tão apaixonadamente vive nos nossos corações”. Morreu jovem, aos 53 anos, com uma doença pulmonar. Mas, como alguém escreveu: “Quem o matou foi o Amor, o Amor que ele, ao longo da vida, nunca deixou de procurar”.
Apaixonado por Belém e pelo futebol, Artur José Pereira começou por jogar no Sport Lisboa e Benfica, pois este clube resultara da fusão do Sport Lisboa, nascido e crescido em Belém, e do Grupo Sport Benfica.
Mais tarde, no meio de umas desavenças, transferiu-se para o clube que o Visconde de Alvalade permitira criar: o Sporting Clube de Portugal.
Mas, à medida que se ia aproximando o fim da sua carreira futebolística, Artur José sentia crescer mais e mais o desgosto de não haver um clube genuinamente belenense. O Sport Lisboa tinha perdido esse carácter, a União Belenenses ficara pelo caminho. Até que… saiu do Sporting (procurando, todavia, não magoar a figura, também admirável, que era o capitão daquele clube, Francisco Stromp), para fundar um clube em Belém e de Belém. E o sonho de uma noite de Verão, num jardim da Praça Afonso de Albuquerque, deu origem, finalmente, ao nosso querido Clube de Futebol Os Belenenses. Entre os outros fundadores estavam o seu irmão Francisco Pereira, Carlos Sobral, Joaquim Dias, Júlio Teixeira Gomes, Manuel Veloso, Romualdo Bogalho e Henrique Costa (a quem cedeu a honra de ser o sócio nº 1). Cumpria-se o desígnio de Artur José Pereira: “Somos todos de Belém, porque havemos de jogar noutros”? O Engenheiro Reis Gonçalves veio a ser o primeiro Presidente da Direcção.
É a Artur José Pereira e aos seus pares fundadores que devemos esta ventura, esta lição de vida, de dignidade, e de resistência, que é ser do Belenenses; que devemos a alternativa, tão bela e tão nossa, de não ser nem do Benfica nem do Sporting mas, sim, de algo de muito mais imenso e corajoso – e essa alternativa, essa ousadia rebelde de ser diferente, é, a nosso ver, algo que o Belenenses precisa, urgentemente, de explorar em termos de imagem e projecção.
Artur José era um senhor; mas, ao mesmo tempo, era um homem rebelde, ousado, livre e independente. Por vezes, pensamos como o gostaríamos de o ver, novamente, entre nós, empunhando essa bandeira de independência e de espírito de conquista, reavivando um Belenenses forte, desafiador e altaneiro!
Um quarto de século depois de ter terminado a sua carreira (já no seu Belenenses), Artur José Pereira era ainda considerando o melhor futebolista português de todos os tempos. Depois, como treinador, ao serviço do Belenenses, lançou inúmeros jogadores para a ribalta do futebol português.
Se como jogador, nos 3 anos em que representou o Belenenses (retirou-se em Março de 1922), não conseguiu nenhum título oficial (embora tivesse sido duas vezes Vice-Campeão de Lisboa, na que era então a mais importante competição do país), como treinador do nosso Clube, a coisa foi bem diferente. Sob o seu comando, conquistámos 3 Campeonatos de Portugal e 4 Campeonatos de Lisboa, tornando-nos uma potência futebolística.
O clube que nascera humildemente num branco de jardim, criado pelos simples rapazes da praia (como eram conhecidos), no bairro pobre de Belém (tão diferente do que é hoje!), cujos primeiros jogadores se equipavam na humilde casinha de um deles, com equipamentos feitos à mão por familiares, foi pelo país e pelo mundo fora. O Belenenses tem filiais, núcleos e delegações em 4 continentes!
Durante a sua carreira, a selecção nacional só disputou um jogo (justamente o seu primeiro). Artur José, juntamente com o seu irmão Francisco e outro jogador do Belenenses (Alberto Rio), foi convocado. Mas foi tal a campanha que alguns dos nossos adversários já instalados lançaram, com repercussões na imprensa (já naqueles tempos tínhamos esses “amigos”; mas, ao menos, esses não disfarçavam o azedume que nos tinham), que os três acabaram por renunciar a participar no jogo.
Na verdade, o Belenenses nasceu e fez-se forte contra muitas oposições. A alma grandiosa que nos fez resistir e tudo superar, simboliza-a Artur José Pereira mais do que ninguém.
JMA