Escrever sobre Matateu provoca-nos um misto de comoção, orgulho e embaraço, e tudo isso é provocado pela sua grandeza como jogador e por tudo o que significou – e continua a significar – para o Belenenses.
É quase em sentimento religioso o que nos invade ao pensarmos em Matateu. As infindáveis narrativas das suas jogadas brilhantes, dos seus arranques imparáveis, dos seus golos portentosos, dos seus golpes de génio, do terror – também ele quase sagrado – que provocava nos adversários, dos guarda-redes que entravam pela baliza dentro impelidos pela potência do seu remate, tudo isso e tanto mais deixa-nos a sensação de que, durante uma década, Deus, ou um Deus, esteve entre nós, no Belenenses… É é certo, efectivamente que um deus do futebol mundial envergou a camisola do Belenenses, durante 13 anos! Aquando da sua morte, a notícia correu mundo, nomeadamente através da CNN.
Se o Belenenses, com todas as desventuras por que tem passado, ainda é um clube muito popular, deve-o indubitavelmente, numa parte importante, a Matateu.
Sem desprimor para Artur José Pereira, Augusto Silva, Pepe, Mariano Amaro e o seu (de Matateu) irmão Vicente, Sebastião Lucas da Fonseca – Matateu é muito consensualmente considerado o melhor jogador de sempre do nosso Belenenses.
Em termos mais amplos, deve-se-lhe igualmente assinalar um grande destaque.
Por vezes, surge a pergunta: quem foi o maior jogador português de sempre? Durante muitos anos, até meados do século XX, a opinião mais avalizada pronunciava-se pelo nosso ilustre fundador – Artur José Pereira. Mas, entretanto, surgiram muitos e muitos (outros) ídolos.
Hoje em dia, para muitos, a questão resume-se a dois candidatos: Eusébio e Cristiano Ronaldo. Longe de nós beliscar a valia extraordinária desses dois fora-de-série. No entanto, se não tivesse jogado em tempos menos mediáticos e em envolvimentos menos favoráveis, Matateu (de resto, o primeiro grande ídolo de Eusébio) discutiria – deve discutir – as posições do pódio.
Hoje, tudo o que diz respeito, directa ou indirectamente ao Belenenses tende a ser desvalorizado ou remetido para o limbo do esquecimento pela imprensa, porque tudo é efeito sob a égide do engrandecimento da glória de… outros. Mas, durante muitos anos, ouvimos de pessoas insuspeitas, por não serem adeptas do Belenenses, que o génio e o valor de Matateu em nada ficava atrás do de Eusébio; simplesmente, este último, teve circunstâncias muito mais favoráveis para a sua consagração nacional e internacional.
Em 1987, Alexandre Pais, até há pouco Director do jornal “Record”, relatava os esforços do nosso antigo jogador e treinador Carlos Silva (ao tempo, Chefe do Departamento do Futebol do Belenenses e mais tarde amplamente envolvido na estrutura da Selecção Nacional) para fazer Matateu voltar a Portugal, vindo do Canadá, onde viveu as últimas décadas da sua vida. Reproduzimos algumas passagens deveras significativas:
“Falo-vos desta vez de Carlos Silva e faço-o não exclusiva, mas especialmente, para me referir de seguida à missão impossível a que aderiu com o empenho azul de sempre: trazer Matateu a Lisboa!
Não que eu acredite assim, tout-court, na vinda do Lucas, mesmo que de passagem para o torrão natal, ainda que no início de uma viagem triunfal à terra que o viu nascer e o aguarda para o receber em triunfo. Como o fez a Coluna, Eusébio e Vicente, todos moçambicanos, todos tocados pelo génio da bola. É que, mais cedo, existiu Matateu, não o melhor jogador português, antes seguramente um dos quatro melhores, com Pinga, Travaços e Eusébio; não ‘um dos dez melhores jogadores do Mundo de todos os tempos’ como proclamou a veneração apologética de Carlos Silva, embora indubitavelmente um dos 20 ou 30 melhores jogadores do Mundo de sempre; mas sem nenhuma hesitação, O MELHOR JOGADOR DE GRANDE ÁREA E DE POTÊNCIA DE REMATE DO FUTEBOL PORTUGUÊS e, nessas qualidades (aí sim) um dos dez melhores do Mundo desde que o futebol nasceu para a competição e para o espectáculo (…)
Salvé, Matateu! Os que te esperaram em manhã de nevoeiro, entre pequenas tricas de irmãos, finalmente te saúdam. Com o coração em sangue pelos tempos que não voltam, com o espírito decepcionado pelos golos que ninguém poderá repetir. E dizem-te enfim: OBRIGADO!”
Penso que ninguém poderá acusar Alexandre Pais de pecar por excesso nas suas apreciações sobre Matateu. Pelo contrário: e se, entretanto, surgiram jogadores como CR 7 e Figo, aquelas pecarão eventualmente por defeito, sem nenhum desprimor para o portista Pinga e o sportinguista Travaços, indiscutivelmente grandíssimas figuras do futebol Português (e, já agora, lembremos que Cândido de Oliveira considerava Artur José Pereira superior a Artur Sousa “Pinga”).
É quase impossível descrever o que foram os anos de Matateu no Belenenses. Limitar-nos-emos a uma breve síntese.
Como se sabe, Matateu nasceu em Moçambique, onde cedo se destacou como jogador. Um dos clubes que aí representou foi o Grupo Desportivo 1º de Maio (filial do Belenenses).
A certa altura, João Belo, antigo “internacional” belenense, chegou-se a Matateu e perguntou-lhe: “Queres ir para Lisboa, para o Belenenses?”. Tinha já havido vários clubes interessados no seu concurso, entre os quais o F. C. Porto que lhe oferecia 60 contos, recebendo 30 em Lourenço Marques e o restante no Porto. Mas Matateu recusou a conselho da mãe, que temia que ele ficasse abandonado no Porto, muito longe de Lisboa…
Desta vez porém, o convite era de Lisboa e Matateu resolveu aceitar. Como João Belo trabalhava no mato, foi o Sr. Cardoso, grande belenense de Lourenço Marques, quem tratou de tudo (Francisco Soares da Cunha foi também importante na sua vinda, adiantando dinheiro para o efeito). Tinha já a passagem de barco marcada, quando um telegrama do Belenenses lhe deu instruções para apanhar o primeiro avião: “Tratar tudo urgentemente. Stop. Matateu embarque Lisboa primeiro avião.”
A urgência tinha uma explicação: Ao Belenenses chegavam notícias de que, não só o F. C. Porto continuava a tentar a sua aquisição, como também Benfica, e União de Coimbra se mostravam interessados. No dia 4 de Setembro de 1951, a aeronave que transportava Matateu (com 24 anos) aterrou no Aeroporto da Portela.
Matateu tinha então 24 anos (que pena não ter vindo mais cedo!) e estava-se no início da época de 1951-52. Ainda antes do Campeonato, Matateu estrou-se num jogo entre o Belenenses e o F.C. Porto, que terminou empatado a 3 golos. A sua exibição agradou mas ninguém estava à espera do que se seguiria.
E o que se seguiria começou logo fulgurantemente na semana seguinte, 23 de Setembro, data do início do Campeonato dessa época e do 32º aniversário do Belenenses.
Nas Salésias, o Belenenses, cuja época anterior tinha sido decepcionante, recebeu o Sporting, Campeão em título. Foi um jogo fabuloso em todos os aspectos mas que acabou por ser dominado pelo furacão Matateu. Recordemos:
Pedroto aos 8 minutos marcou para os ”azuis”. Aos 26 minutos Jesus Correia empatou, para aos 34 minutos Travaços colocar o Sporting em vantagem. Dois minutos depois, Matateu fez o 2-2. Aos 55 minutos Mário Rui colocou nossa equipa de novo a vencer; mas aos 83 minutos Jesus Correia empatou outra vez a partida. Faltavam dois minutos para o final, quando Matateu, numa jogada soberba, deu a vitória ao Belenenses. Salvador do Carmo, antigo Presidente e trteinador do Clube e várias vezes seleccionador nacional, descreveu assim a forma como Matateu marcou o quarto golo azul: “Captou o esférico a meio do terreno e ei-lo em fintas sucessivas e em corrida vertiginosa para, perto de Azevedo, disparar um colossal remate.”
No final da partida foi a consagração. Os adeptos azuis, em completo delírio, invadiram o campo e levaram-no em ombros até à cabina. Disse-se então, e era verdade, que pela primeira vez em Portugal, homens de raça branca levaram em ombros e em triunfo um homem de raça negra.
Nas 26 jornadas do Campeonato, Matateu marcou 17 golos. O Belenenses terminou em 4º lugar mas não nos iludamos com a classificação. Estivemos na luta pelo título quase todo o campeonato. A 3 jornadas do fim, Belenenses, Benfica, Porto e Sporting tinham todos exactamente o mesmo número de pontos.
Na época seguinte, 52-53, Matateu estreou-se na Selecção Nacional, algo que o público vinha reclamando. Até 1960, Matateu registou 27 internacionalizações, apontando 13 golos. Nesta mesma época, Matateu não falhou um jogo para o campeonato. O Clube, mais uma vez candidato ao título, ficou em 3º lugar. Mas o galardão individual, o de melhor marcador, não escapou a Matateu, que ganhou a primeira edição da “Bola de Prata” instituída pelo Jornal “A Bola”. Marcou 29 golos nos 26 jogos disputados. Fantástico!
A época de 53-54 começou auspiciosamente. A 20 de Setembro de 1953, no Estádio Nacional, o Belenenses com duas vitórias sagrou-se o grande vencedor da “Taça Lisboa”, em que participaram ainda Benfica, Sporting e F. C. Porto. Matateu participou nos dois encontros. No Campeonato, apontou 14 golos e o Belenenses terminou em 4º lugar (na altura, equivalia praticamente a sermos últimos, dada a força do clube).
Veio então, a famigerada época de 1954-55. Belenenses e Matateu desencontraram-se com o destino, e o Campeonato fugiu-nos a 4 minutos do fim. Quão amargo foi esse 2º lugar…. Não obstante, Matateu foi novamente o melhor marcador do Campeonato, com 32 golos em 26 jornadas. E a época teria ainda novas glórias para Matateu.
Uma delas, deu-se a 22 de Maio de 1955, num jogo Portugal-Inglaterra, disputado no Porto. A Selecção Nacional escreveu uma das mais belas páginas do seu historial. No Estádio das Antas, oito anos depois de ter sido goleada por 0-10 (na estreia dos ingleses em Portugal), conseguia a primeira vitória sobre os “pais” e “mestres” do futebol. Matateu, que actuou a “interior-direito”, teve a companhia do também belenense Dimas.
Aos 19 minutos, Bentley abriu o marcador para os ingleses. Aos 25 minutos numa jogada espectacular pela direita, Dimas avança com a bola e centra para Matateu que, com um passe brilhante, permite a José Águas empatar a partida. Aos 80 minutos, Matateu culminou a sua extraordinária exibição com um tento inesquecível, que colocou todo o Estádio ao rubro. Numa jogada de grande talento individual, pleno de pujança e habilidade, entra na grande área inglesa, dribla vários adversários e remata colocado batendo o guarda-redes Williams. Foi a loucura completa entre o público. As macas, ao serviço da Cruz Vermelha, tiveram de entrar em acção para acudir aos espectadores que se sentiam mal devido à emoção. Cinco minutos depois, José Águas fez o 3-1. No final do encontro, o público entusiasmado levou Matateu em triunfo.
Esta vitória de Portugal e a sua magnífica exibição tiveram grande repercussão internacional. O jornal inglês Daily Sketch, com o título “Fomos batidos pela 8ª Maravilha”, destacava assim a sua actuação: “Um negro, sempre sorridente, natural de Moçambique, África Oriental Portuguesa, é esta noite o rei do futebol português. Em Moçambique foi-lhe dado o nome de Lucas da Fonseca, mas há muito tempo já que ninguém se preocupa com isso. Passaram a chamar-lhe Matateu – um cognome que significa “A Oitava Maravilha do Mundo” – desde que começou a driblar como um mago e a chutar como um canhão. E foi essa oitava maravilha do Mundo do futebol, que rebaixou e humilhou, esta noite, uma Inglaterra destroçada e “groggy”, dando a Portugal a sua primeira vitória sobre nós”. Depois acrescentava: “À parte Matthews, não tivemos um avançado digno de atacar as botas de Matateu”. E mais adiante: “Não há justificação porque, com excepção do maravilhoso Matateu, o grupo português era uma equipa de passeantes – conseguiram apenas bater a África do Sul nos últimos seus 19 jogos internacionais” (as tais condições pouco favoráveis a que nos referimos no início).
No Daily Mail podia-se ler: “Portugal não jogou com tanta classe como as equipas da França ou da Espanha, mas progrediu com rapidez e inteligência na disputa, principalmente na asa direita, onde Matateu era sempre um perigo, particularmente quando nas fugas com a bola para a nossa baliza. O interior direito foi bloqueado na grande área para não marcar golos, mas, mesmo assim, conseguiu tornar-se o herói nacional durante o encontro.”.
O Times afirmava: “Matateu foi o herói de Portugal e um inteligente jogador. Foi rápido de mais. Num relâmpago apossou-se da bola e a defesa inglesa foi apanhada aberta. Quatro passos mais e Williams apanhava a bola da rede assim que Matateu a colocou velozmente num pontapé curto.”.
Depois, ainda antes do fim da época, com a camisola azul, brilhou na Taça Latina, frente ao Real Madrid e ao Milan, aumentando a sua fama europeia. A revista francesa Miroir-Sprint colocou o seguinte título a duas fotografias, uma do grande Di Stefano e outra de Matateu: “Di Stefano perdeu o sorriso frente ao negro Matateu”. No mítico France-Football, podia ler-se: “Alfredo Di Stefano cede o seu lugar de vedeta a Matateu, o extraordinário negro de Moçambique.”; “Esperava-se Di Stefano e tivemos Matateu. Uma revelação!”. Aos 27 anos, Matateu era um caso ímpar de popularidade: O maior em Portugal; um dos maiores na Europa!
No Campeonato Nacional de 1955/56, o Belenenses ficou em 3º lugar e Matateu, com 22 golos em 24 jogos, foi o terceiro na lista dos melhores marcadores.
Entretanto aproximava-se o dia 23 de Setembro de 1956, dia do 37º Aniversário do Clube e dia da inauguração do Estádio do Restelo. O Belenenses era toda uma máquina de excitação e entusiasmo. No dia aprazado, o povo de Belém e bairros limítrofes veio para a rua, e orgulhoso do seu novo Estádio e do seu Clube deixou “cantar” o coração. Nem a chuva, que por vezes fazia a sua aparição, conseguia parar o ímpeto da multidão. Todo este ambiente de festa, acompanhou a equipa, quando esta entrou em campo para defrontar o Sporting. Com a camisola azul, alinharam então: José Pereira; Pires, Raul Figueiredo e Moreira; Carlos Silva (depois Inácio) e Vicente; Dimas, Di Pace, Miranda (depois Perez), Matateu e Tito.
Aos 24 minutos da 1ª parte, Matateu lutava no lado direito com Couceiro (defesa leonino). Bola para fora e, no reatamento, Dimas foi servido. Centro largo, Octávio de Sá (guarda-redes sportinguista) falhou e Miranda, de cabeça, aproveitou para marcar o primeiro golo no Estádio do Restelo!
Depois de Perez ter falhado um “penalty”, o Sporting empatou por Gabriel. A 6 minutos do final, Matateu, evidenciando uma vontade indomável, correu pelo lado direito (perseguido por Couceiro) e centrou largo para Tito, que se encontrava livre de adversários. O “extremo-esquerdo” azul centrou de novo para Matateu, que de cabeça fez o 2-1. O entusiasmo dos adeptos “azuis” era indescritível.
Mais uma vez, Matateu triunfara. No final, ao ser entrevistado afirmou: “Sou um homem feliz. Quando marquei o ponto da vitória fiquei doido de contente. Quase que não queria acreditar”.
Dois dias depois, o Estádio do Restelo estava de novo em festa. Inaugurava-se a sua iluminação. O Belenenses derrotou por 2-0 os franceses do Stade Reims, que eram nada mais, nada menos que vice-Campeões europeus, e onde pontificavam Fontaine e Puskas, duas lendas do futebol mundial de sempre. Logo aos 2 minutos, Miranda abriu o marcador. Matateu faria o 2-0, culminando mais uma excelente actuação. Sebastião Lucas da Fonseca foi de novo o herói do encontro, efectuando uma exibição muito elogiada, não só pela crítica mas também pelos próprios adversários que o consideravam “um elemento de cartel em qualquer país”. O internacional francês Vincent afirmou: “Gostei muito do nosso adversário, especialmente de Matateu, que confirmou o grande cartel deixado em Paris, quando na disputa da Taça Latina”.
A 30 de Setembro, no primeiro jogo oficial realizado no Estádio do Restelo para o campeonato, o Belenenses venceu o Vitória de Setúbal por 5-1. Matateu fez o primeiro golo oficial no novo estádio.
No Campeonato de 1956/57, o Belenenses, mais uma vez, foi 3º e Matateu, com 23 golos em 22 jogos (falhou quatro devido a uma lesão contraída num treino da Selecção), foi o terceiro melhor marcador. Só num jogo, apontou 6 golos. Foi no dia 29 de Dezembro de 1956, na vitória do Belenenses sobre o Braga por 9-3.
Na época de 1957/58, sob o comando do mítico treinador Helénio Herrera, o nosso Clube ficaria em 4º lugar no Campeonato. Matateu foi o terceiro melhor marcador com 21 golos em 24 jogos. No defeso que se seguiu, Matateu teve uma proposta do Barcelona para se transferir para o grande clube catalão. Recusou – e continuou no Belenenses!
No Campeonato de 1958-59, o Belenenses ficou em 3º lugar, a três pontos do F. C. Porto e do Benfica. As arbitragens foram porventura o grande factor que novamente nos negou o título, pelo qual a nossa equipa tanto e tão bem se bateu… Quanto a Matateu, com 21 golos em 26 jogos, seria novamente o terceiro melhor marcador da prova. Não conta aqui, é claro, o golo de canto directo que lhe foi anulado no fim de um célebre Belenenses – Benfica. O tento ter-nos-ia dado a vitória e deixado em posição privilegiada. Foi no dia 1 de Fevereiro de 1959, sob chuva diluviana, que não evitou que os 44.000 lugares do Estádio do Restelo esgotassem completamente – e mais houvesse…
No final da época, Matateu fez mais dois jogos inesquecíveis pela selecção de Portugal. Em 3 de Junho de 1959, Portugal venceu a Escócia por 1-0. Com este jogo Matateu completava vinte e uma “internacionalizações”, igualando assim o “record” de Augusto Silva, antiga glória do Clube. Neste encontro, estrearam-se na Selecção o seu irmão Vicente Lucas e o também belenense Raul Figueiredo. O público, presente em grande número, tributou a Matateu uma grande ovação, quando aos 25 minutos obteve o tento do triunfo.
Depois, a Selecção deslocou-se a Berlim onde, a 21 de Junho, derrotou a Alemanha Oriental por 2-0. Nesta partida tornaram alinhar os belenenses Raul Figueiredo e Vicente Lucas. Matateu, em tarde inspirada, produziu uma exibição fulgurante, cotando-se como o melhor avançado e um dos melhores em campo. Os seus dribles e fintas desconcertantes galvanizaram os milhares de militares russos presentes no Estádio, que a dada altura entoaram o seu nome, quase de uma forma perfeita, em tom de cântico: “Matateu! Matateu! Matateu!” Aos 12 minutos, no lado direito Carlos Duarte centrou para Coluna, que depois de se livrar de dois alemães desmarcou Matateu na esquerda. Este controlou a bola, com um drible estonteante tirou da frente um adversário, e rematando de seguida fez o primeiro golo para os portugueses. Com este tento, subia ao 2º lugar na lista dos melhores marcadores de sempre da Selecção.
A época de 59/60 foi auspiciosa. Logo em Setembro, o Belenenses venceu a Taça de Honra, depois de vencer o Benfica e o Sporting. No Campeonato terminámos em 3º lugar, com Mateu a somar 16 golos. Na última jornada, o Belenenses venceu o Benfica por 2-1, quebrando a invencibilidade dos encarnados em pleno Estádio da Luz. Matateu fez um dos golos de ângulo “impossível”, ou seja, praticamente em cima da linha final. Entretanto, como já vimos, o mais importante veio mesmo no fim, com o Belenenses a conquistar a Taça de Portugal, tendo Matateu marcado um dos golos que permitiu vencer o Sporting.
Nesta época, Matateu fez o seu último jogo na selecção, de visita à Jugoslávia. Portugal perdeu mas o público jugoslavo gritava em coro o nome de Matateu.
A época de 60/61 começou novamente bem, com o Belenenses a conquistar de novo a Taça de Honra. Mas depois, as coisas complicaram-se. O plantel do Belenenses foi assolado por uma onda de lesões. No Campeonato, ficou de fora 8 jogos” marcou apenas 7 golos e o Belenenses terminou em 5º lugar, a pior classificação de toda uma década.
Veio a época de 61/62. O Belenenses vivia horas dramáticas (veja-se o artigo de 29 de Junho). Ainda assim, fomos o primeiro clube Português presente na Taça das Cidades com Feira, depois denominada Taça UEFA e Liga Europa. Na estreia, em Edimburgo, os “azuis” empataram a três golos com a equipa escocesa do Hibernian.
Nesse desafio a equipa de Belém fez uma excelente primeira parte, chegando ao intervalo a vencer por 3-0. Yaúca e Matateu deixaram os escoceses em exclamações de entusiasmo e espanto. Matateu, que fez uma excelente exibição, marcou o primeiro golo aos 13 minutos, numa jogada espectacular pela direita em que, depois de se livrar de um adversário, disparou para o fundo da baliza escocesa. Aos 26 minutos, depois duma combinação com Estêvão pelo centro do terreno, Matateu fez o terceiro tento do Belenenses. Nos últimos 45 minutos, porém, os escoceses chegaram ao empate. No encontro da 2ª mão, no Estádio do Restelo, Matateu voltou a marcar um golo, mas a equipa escocesa venceu por 3-1 e passou à eliminatória seguinte.
Quanto ao Campeonato, foi igualmente decepcionante: o Belenenses terminou em 5º lugar e Matateu marcou “só” 7 golos. Em Julho de 1961, o Belenenses brilhou no prestigioso Torneio de Nova Iorque mas Matateu sofreu uma greve lesão. Esta prolongou-se por metade da época seguinte (62/63) e, quando recuperado, o treinador Fernando Vaz não o colocou a jogar. O Belenenes terminou em 4º lugar, sem que Matateu tenha chegado a alinhar.
O mesmo Fernando Vaz não quis que Matateu continuasse a representar o clube na época seguinte. Só a pertinaz gratidão de Acácio Rosa fez com que se mantivesse no Belenenses.
Mas a verdade é que os 37 anos de Matateu já lhe pesavam. No fim da época de 63/64 (com um 6ºlugar), deixava enfim o Belenenses. Na última jornada do Campeonato, o Belenenses venceu o Sporting por 4-2, no Estádio do Restelo. Seria o último jogo oficial que Matateu disputaria com a camisola do Belenenses. Despedia-se como se estreara há quase treze anos: contra a equipa rival do Sporting.
E nasceu então a lenda, uma das duas lendas, um dos dois sonhos que abrigam os corações de muitos belenenses: que o nosso clube volte a ser campeão e que voltemos a ter um Matateu. Sendo os dois difíceis, parece-nos o segundo o mais difícil de efectivar!
AA + JMA