Ao longo destes apontamentos, como de resto já escrevemos anteriormente, falaremos com alguma parcimónia de dirigentes do nosso clube. Haverá nessa atitude, às vezes na simples omissão, uma grande dose de injustiça, reconhecemos. Mas a verdade é que ainda muita polémica rodeia a acção de grande número deles, especialmente os das últimas décadas, que são as mais frescas nas memórias.
No entanto, a figura que hoje evocamos é uma daquelas cujo estatuto dificilmente poderá ser discutido. Basta, para tal, lembrar dois factos, ou conjunto de factos: foi “o Homem do Estádio”, o principal (de tantos e tão notáveis) motores do Estádio do Restelo, tal como aliás assinalado em placa junto ao Monumento de Pepe; foi em boa medida responsável pela vinda para o Belenenses de… Matateu e Vicente – além, entre outros, de Yaúca e de Helénio Herrera. Este último, um dos treinadores míticos do Futebol mundial, ainda lhe elogiava as grandes qualidades de dirigente muitos anos depois da sua passagem do Belenenses.
Francisco Dias Soares da Cunha nasceu em Mafra. Veio a falecer em 19 de Fevereiro de 1975, como Capitão na reserva.
Com o seu casamento em Belém e as suas colocações no Regimento de Cavalaria 7 e depois em Lanceiros 2 e, ainda, com a colocação do seu Pai na Companhia de Infantaria, todas essas unidades situadas na Calçada da Ajuda, ficou-lhe o gosto pelas agremiações belenenses – Clube de Futebol “Os Belenenses” e Belém Clube – onde também se distinguiu sobremaneira pelas suas qualidades. Assim, acabou mesmo por se radicar em Belém, onde passou a maior parte da sua vida.
Em relação à sua prestação na vida do nosso clube, é suficientemente impressivo o seguinte resumo, da autoria do Major Baptista da Silva (o qual chegou ao dirigismo do Belenenses justamente pela mão de Francisco Soares da Cunha):
“Sem qualquer exagero o Estádio do Restelo é obra gigantesca que o Clube deve ao Capitão Soares da Cunha. A magnificência, a riqueza e o enquadramento paisagístico em que se transformou aquela pedreira no mais bonito Estádio de Portugal, foi obra desse homem de excepção.
O seu talento, capacidade de trabalho e de organização, dinamismo, coragem e ambição foram postos ao serviço do Clube na construção do Estádio, inaugurado, em 23 de Setembro de 1956, pelo Chefe do Estado, General Craveiro Lopes, em cerimónia grandiosa e inesquecível e por si idealizada.
Buscando meios financeiros que sustentassem o projecto do Arquitecto Carlos Ramos, a organização do ‘Grande Sorteio de 1954’ foi marco do êxito dessa luta, pela contribuição material conseguida e pelo reforço do fervor clubista.
Toda a sua capacidade de dirigente ímpar voltou a revelar-se como Presidente da Direcção em 1957/58, projectando o Clube não só pelo Futebol como pelas Modalidades Amadoras.
No Futebol, saliente-se ter sido o BELENENSES uma das quatro equipas europeias – com o Sevilha, a Lázio e o Dínamo de Zagreb – a participar no Torneio de inauguração do Estádio Morumbi, em São Paulo e ter participado no ‘Troféu Carranza’ em Espanha.
Nas Modalidades Amadoras, destaca-se a criação do lugar de Secretário – Técnico para coordenar toda a actividade e a valorização [criação no clube] do Hóquei em Patins e do Ténis, a par das outras secções.
De referir ainda que foi na sua gerência que o Clube contratou Helénio Herrera, um dos maiores treinadores de futebol do Mundo. E foi graças à sua actividade febril que, no mesmo período, entre outros (Abdul, Adelino; Ramin, Suarez, Cunha Velho, etc,), veio da Catumbela (Angola) para o Belenenses o famoso Yaúca. Foi também interveniente na vinda de Matateu e do seu irmão Vicente Lucas.
Nessa actividade febril, levada até à exaustão da sua saúde, foi ainda adquirido o primeiro autocarro do Clube para os seus atletas.
O Belenenses, até ao fim da sua vida, foi uma paixão e também uma preocupação, expressas nos seus últimos dias a amigos e antigos colaboradores do Clube.”
Com toda a justiça foi atribuído a Francisco Soares da Cunha, em 30 de Março de 1960, o mais alto galardão do clube: a Cruz de Ouro. É uma distinção que só treze belenenses receberam. Alguns anos antes, já havia sido consagrado como Sócio Honorário.
Por outro lado, juntamente com dez outras individualidades, recebeu a medalha do “Estádio do Restelo”, entregue aos que, na sua construção, “mais serviram”. Foi o grande dinamismo e capacidade de acção e liderança de Soares da Cunha que, congregando todas as vontades, garantiu a conclusão da obra, de que todos nos orgulhamos. Escreveu Acácio Rosa, a propósito do Restelo: “É sem dúvida a figura nº 1, o Capitão Francisco Soares da Cunha. Trabalho, dinamismo, talento e espírito de sacrifício, aliados a uma visão de horizontes vastos, tudo se consubstanciava em Soares da Cunha”.
Escassos dias antes da inauguração, o Estádio do Restelo foi apresentado à imprensa. Era o mais belo e, em vários aspectos, o melhor Estádio de Portugal. Os jornalistas ficaram atónitos com o entusiasmo, o conhecimento e a visão de Soares da Cunha. A imprensa deu grande relevo a esta visita, como se mostra pela capa e interior do jornal “A Bola” de 22 de Setembro, que se reproduz, como documento de valor histórico e bem significativo da força que tinha o nosso clube.
Também por esses dias, mais propriamente na edição de 20 de Setembro de 1956 do jornal “A Bola”, aqui também reproduzida, Francisco Soares da Cunha dava uma notável entrevista, onde se mostra à evidência o seu talento, a sua natureza empreendedora, a sua visão de futuro (por exemplo: embora ainda não existisse televisão, já estavam instalações preparadas para quando houvesse). Nessa entrevista, fala-se, nomeadamente, da excelência da construção, das (para a época) magníficas instalações luminosas e sonorosas, da lotação do Estádio, com 44.000 lugares (tanto ou mais que Alvalade, antes de fechado, e que a Luz, então sem 3º Anel), dos planos totalmente definidos para instalar a cobertura do Topo Norte (houve que esperar quase 50 anos) e para fechar o Topo Sul, com uma bancada superior, que elevaria a lotação para 62.000 pessoas, da cidade desportiva que se programava, etc. Infelizmente, as vicissitudes da vida do Belenenses não permitiram corresponder a tanta grandeza projectada.
Aquando da inauguração do Restelo, o Capitão Soares da Cunha era Vice-Presidente da Direcção liderada pelo Major Pascoal Rodrigues. No ano seguinte, 1957, assumiu a Presidência. Continuou a luta afincada pelo seu sonho de voltar a ver o Belenenses Campeão, ao mesmo tempo que tentava lidar com a pesada situação financeira do clube, proveniente do esforço de construção do novo estádio e do modo como fomos obrigados a sair, de mãos a abanar, das Salésias dos nossos amores.
Durante toda a sua vida, Francisco Soares da Cinha lutou pelo aumento da massa associativa do Belenenses. Aliás, muitos sócios de “Os Belenenses”, mais carenciados, viam as suas quootas pagas por este homem. Também por esse motivo, aqui lhe deixamos a nossa homenagem e gratidão, reafirmadas cada vez que entramos na Casa de todos os belenenses, o Estádio do Restelo.
JMA