Foi a última das vezes em que fomos Vice-Campeões Nacionais. Como o tempo voa – já lá vão 41 anos!!!
A década de 60, apesar do seu começo prometedor, foi terrível para o Belenenses. Tornou-se, aliás moda, e sinal de rebeldia “malhar no Belenenses” – como é fácil a rebeldia contra quem está em baixo, enquanto se fazem vénias a quem está forte! Entre 1967 e 1970, contudo, lançaram-se as sementes para inverter a situação: restaurou-se a mística do clube, lutou-se incessantemente pelo aumento da massa associativa (que aumentou 250%, aproximando-se dos 20.000, número muito elevado para a época), apostou-se nas nossas escolas.
Em 71/72, já manifestamente tínhamos uma boa equipa, com um treinador de grande prestígio (Zézé Moreira, que fora, nomeadamente, seleccionador do Brasil durante vários anos). Um mau começo de campeonato, com várias derrotas seguidas (interrompidas com um triunfo 2-1 sobre o Sporting, depois de estarmos a perder), impediram que a excelente recuperação nos levasse além do 7º lugar. No entanto, era um 7º lugar já próximo dos primeiros.
E na época seguinte, eis que regressa o grande Belenenses. Muitos factores se conjugaram: uma Direcção coesa, presidida por Baptista da Silva; a disponibilidade financeira de Manuel Bulhosa; a recuperação de Luís Carlos, ponta de lança brasileiro já contratado no ano anterior mas que se veio a impor plenamente nesta nova época; a maturidade de jogadores como Quaresma, Godinho, Quinito, Freitas e João Cardoso, acrescidos de outros mais jovens, vindos das escolas, mas que ganhavam espaço, como Alfredo Murça e Pietra; a contratação de jogadores de qualidade como Calado e o paraguaio Paço Gonzalez, conseguido graças a um acordo com o Real Madrid, e que foi dos mais bem sucedidos jogadores azuis dos últimos 40 anos; acima de tudo, talvez, a escolha para treinador, ou antes, para secretário técnico, de Alejandro Scopelli. Este grande mestre argentino que, como jogador, esteve presente nos 2 primeiros Campeonatos do Mundo (1930 e 1934) ao serviço da selecção do seu país, tinha chegado ao Belenenses, em 1939, com Tárrio e Telechea. Fizeram época. Mais tarde, terminada a carreira de jogador, foi nosso treinador na época de 47/48, outro daqueles anos em que rondámos o título (e em que fomos convidados para inaugurar o Estádio do Real Madrid, facto só por si suficiente para distinguir um clube); esteve ainda ligado à vinda de Di Pace para o Belenenses. Em boa hora fomos buscar esse grande senhor. Como seu adjunto, tínhamos Peres Bandeira (que haveria mais tarde de ser treinador principal, por sugestão de Scopelli, e nos levaria ao 3º lugar em 75/76).
Com efeito, D. Alejandro revolucionou a equipa, deu-lhe audácia, valor e capacidade técnico-táctica. Lembramo-nos de Quinito contar que quando, nos treinos, algum jogador atirava disparatadamente a bola para fora, Scopelli interrompia e dizia algo como: “Senhor, 110 metros de comprimento, 75 metros de largura, 8.000 metros quadrados, e você atira a bola para fora?” (na altura, e até há cerca de 18 anos, quando o amputámos, aquelas eram as dimensões do terreno de jogo do Restelo, o maior de Portugal). Também se destacou a sua visão de avançar Quaresma para médio e recuar Calado para defesa central, com excelentes resultados.
Foi um tempo feliz… Na verdade, tratou-se de uma época quase imaculada, com apenas quatro derrotas (à 24º jornada, só tínhamos perdido duas vezes), metade delas perante o Benfica que, nesse ano, não deu hipóteses, perdendo somente 2 pontos em 30 jogos. É verdade que perdemos na Luz por 5-0, aí pela 8ª jornada, quando se defrontavam os dois primeiros e os únicos invencíveis até então; mas perdemos porque fomos ousadamente para ganhar, porque os jogadores se enervaram quando as coisas começaram a sair mal, visto que queriam mesmo vencer porque, nessa altura, ganhar ao Belenenses, para mais folgadamente, dava prestígio.
Em contrapartida, quantas memórias inesquecíveis: o grande jogo com o Vitória de Setúbal (o melhor Vitória de sempre), que ganhámos no Restelo, por 3-2, com quase 30.000 pessoas, e os jornais a proclamarem que tínhamos novamente uma grande equipa; logo em seguida, o empate nas Antas, a confirmar; o jogo com o Sporting, no Restelo, com o Belenenses a recuperar a desvantagem e só não indo além dos 2-2, porque o guarda-redes leonino tirou uma bola meio metro de dentro da baliza e o golo não foi considerado (parece que ainda estamos a ver o bom do Damas, um grande guardião perante cuja memória nos curvamos, a rir-se com cara de malandro satisfeito); as vitórias e exibições estrondosas no Barreiro (5-1) e em Tomar (6-0, com toda a gente a falar num hino ao futebol); a vitória sobre o F.C.Porto no Restelo, com dois golos de Alfredo Quaresma) ; um jogo com o União de Coimbra, numa tarde primaveril, com grande assistência e uma grande exibição (ganhámos 3-1 mas falhámos carradas de oportunidades); e, enfim, este jogo com o Barreirense, de festa e de confirmação do 2º lugar.
Muita gente no Restelo, outra vez perto de 30 mil pessoas, muita alegria no ar, bolas e cartões assinados pelos jogadores, e uma vitória com exibição de luxo. Vencemos por 4-2; ao intervalo já vencíamos por 3-0 e chegámos até aos 4-0.
Nesse dia, alinhámos com: Mourinho; Murça, Calado, Freitas e João Cardoso; Pietra, Quaresma e Godinho (aos 70 minutos, Ramalho); Quinito, Luís Carlos e Gonzalez.
Os nossos golos foram marcados por Gonzalez, aos 15 minutos; Pietra, no minuto seguinte; Freitas, aos 38 minutos e Quaresma aos 56 minutos.
Alejandro Scopelli provou mais uma vez toda a sagacidade táctica, dando uma autêntica lição. Fez postar os três avançados lá na frente, em fora de jogo sem intervir na jogada, desconcentrando a defesa adversária, para os nossos jogadores virem de trás e marcarem. Grande Scopelli! Grande Belenenses! Grandes tempos!
JMA