“Muito dificilmente o foco para os próximos anos poderá ser outro que não o projecto da Cidade Belenenses”, palavras do Eng. António Soares, Presidente do Clube de Futebol “Os Belenenses”, hoje em dia de grande entrevista.

O balanço de quatro anos pautados pela recuperação financeira e reestruturação do Clube, a satisfação pelo trabalho desenvolvido na formação, principalmente nos escalões etários mais baixos, a crítica ao modelo competitivo adoptado pela Associação e a defesa da formação do futebolista português para as Selecções, foram alguns dos temas abordados.

Sr. Presidente, comecemos pelo tema do momento, a requalificação do Complexo Desportivo do Restelo. Depois de em Outubro de 2012 ter sido noticiado o Pedido de Informação Prévia à CML, este Abril tem sido fértil em desenvolvimentos, com a Direcção a anunciar um princípio de entendimento com o “Edge Group” sobre os termos de uma possível parceria, projecto esse que terá sido apresentado no passado dia 28 aos demais Órgãos Sociais do Clube e que em breve será divulgado aos Sócios. De permeio, surgiram os detalhes do jornal “A Bola”, anunciando que a construção terá lugar em 2015 e um custo de 66 milhões de euros, entre outros detalhes. A apresentação correu bem? O artigo de “A Bola” corresponde à verdade dos factos? Pode sintetizar um ponto de situação?
Este é um tema que, só por si, daria para uma hora, no mínimo. Sintetizando o essencial, trata-se de um projecto fundamental para o Clube. Há uns 60 anos que o Belenenses tem na sua posse 11 hectares numa das zonas mais nobres de Lisboa e custa ver que ainda não tenha conseguido rentabilizar um espaço assim, para além das infra-estruturas desportivas que, e de uma maneira geral, representam um custo. Para mais, os últimos quatro anos corresponderam a um período de grandes dificuldades financeiras durante o qual, basicamente, se lutou pela sobrevivência. É importante que as pessoas tenham a noção de que o Belenenses correu sérios riscos. Esta fase foi encerrada pelo PER (nota da redacção: refere ao Processo Especial de Revitalização, cujas conclusões foram entretanto divulgadas no passado mês de Abril e, através do qual, o passivo exigível foi reduzido em mais de 4,5 milhões de euros). Daí se percebe também por que motivo o projecto de requalificação do Restelo foi relegado para um plano mais secundário, face à necessidade de regularizar a situação com os credores. Três anos após ter assumido a Presidência, e quase quatro de Direcção, contando com o tempo de colaboração com o Dr. João Almeida, o Belenenses não tem hoje uma vida desafogada, mas através de um processo de reestruturação e recuperação financeira afastámos o espectro da extinção e há agora margem para dedicarmos a atenção a outras coisas, que potenciem as receitas para melhorar infra-estruturas e condições para a prática desportiva. O projecto de requalificação do Complexo é uma peça fundamental no desenvolvimento do Clube em ambas as vertentes.
Durante muito tempo o projecto foi sendo falado, mas havia uma grande dificuldade que era a falta de um parceiro forte, alguém com capacidade financeira, que permitisse avançar com algo desta envergadura. “A Bola” fala num investimento na ordem dos 60 milhões e, seguramente, não deverá andar longe disso. Demorámos algum tempo, mas penso que o encontrámos na pessoa do “Edge Group”, em quem acredito ser capaz de levar este projecto até à sua conclusão.
Temos um princípio de entendimento com o “Edge Group”. Na apresentação aos elementos dos Órgãos Sociais que quiseram estar presentes, entre os quais o Presidente do Conselho Fiscal (Sérgio Ferrão), o Presidente do Conselho Geral (Rui Carp) e pessoas da Direcção, posso dizer que quer o Presidente do Conselho Fiscal como o do Conselho Geral, que não conheciam o projecto, ficaram agradados com o que viram e ouviram. A receptividade foi muito boa. Em termos de receitas, estimamos um aumento na ordem dos 70%. Assim, será possível investir em infra-estruturas, dentro ou fora do Restelo, melhorando na qualidade da prática desportiva e cativando melhores atletas, criando equipas mais fortes e indo ao encontro das expectativas e anseios dos adeptos, quanto a bons resultados desportivos, que é o que mais cativa as pessoas.
Agora, ter-se-á de abrir um espaço de discussão, que envolva também os sócios, para debater algo de fundamental para a vida e futuro do Clube. Em conjunto com a “Edge Group” estamos a procurar a data mais favorável à participação de todos, considerando que estamos na recta final do Campeonato. Estamos ainda sujeitos a determinados processos de aprovação camarária, se bem que nos temos mantido em contacto com a Câmara e esta tem demonstrado abertura, percebendo a necessidade de requalificar convenientemente esta zona, além de se tratar de um projecto fundamental para a sustentabilidade financeira do Clube e tudo isto sem limitar as infra-estruturas desportivas. Da minha parte, acredito na possibilidade da construção arrancar no início de 2015.

Durante as obras de requalificação, é natural que os actuais campos nº 2 e 3 não possam ser utilizados. Essa situação está acautelada, quanto às equipas que aí treinam e competem?
Sim, obrigatoriamente. Nós aqui temos um problema de crescimento. Poderíamos ter mais atletas e equipas, na formação de futebol, rugby, etc., se tivéssemos mais espaços. Não os temos no Restelo e fora daqui, é muito difícil encontrá-los livres. Não há. Por isso, não é exequível arrancar com um projecto destes sem ter o cuidado de manter os actuais campos, enquanto os novos não existirem. Poderá haver uma situação pontual em que a coexistência seja mais difícil, tendo em conta as localizações, mas mesmo nesse cenário terá de haver o cuidado de manter a operacionalidade desportiva do Belenenses. Não iremos para fora, tal é impensável para quem, como nós, das seis às dez e meia da noite, tem taxas de ocupação de três campos, contando com o “Vicente Lucas”, na ordem dos 100%.

Os dois campos do novo projecto são suficientes?
O Estádio Principal, praticamente exclusivo da equipa de futebol profissional, e o “Vicente Lucas”, não serão afectados pelo projecto. Os campos de que fala, o nº 2 e o nº 3, não são suficientes, mas temos ideias para melhorar a sua utilização. Vamos tentar que na próxima época seja colocado um piso sintético no actual nº 2, o que permitirá um maior número de horas de utilização e com qualidade. Muitas vezes, mesmo neste momento, é utilizado em más condições. Cronicamente, logo no princípio do Inverno já os problemas são graves. Não é viável manter um segundo campo de relva natural, nem faz sentido para as necessidades que sentimos. As questões financeiras também pesam, comparando os diferentes custos de manutenção. O campo que irá substituir o actual nº 3 será maior, permitindo um aumento de capacidade. Mesmo assim, não chega. Para crescer, o Belenenses terá que encontrar soluções fora do Restelo. Temos algumas soluções pensadas, mas não estão ainda suficientemente aprofundadas, pelo que é prematuro falar-se disso.

O dinheiro não abunda, mas nota-se o cuidado de valorizar a formação por meios alternativos, com protocolos e parcerias com outros clubes, de que são exemplos os casos da Lusófona, Beira-Mar de Almada e a escola recentemente inaugurada na Costa da Caparica, no campo dos Pescadores, sem esquecer a de Odivelas. Tem tido o retorno pretendido dessas iniciativas? São acordos bons para as partes envolvidas?
Dos protocolos e parcerias de que fala, o da Lusófona é o mais antigo. Estamos satisfeitos e acreditamos que a Lusófona também dirá o mesmo, mas pensamos ser possível ir mais além, desde que de ambas as partes haja vontade de colocar pessoas a trabalhar nesse sentido.
Quanto aos demais, a parceria com o Beira-Mar de Almada aponta ao topo dos escalões de formação, enquanto Odivelas e Pescadores da Costa da Caparica são direccionadas às escolinhas, mas em todos os casos é cedo para avaliar o retorno destas iniciativas. Parece-me ser este o caminho, pelo que provavelmente, e muito em breve, teremos a abertura de mais escolas nossas em Lisboa e arredores.

O corrente triénio desta Direcção terminará este ano. Para além do exposto, que outros elementos gostaria de destacar, em jeito de balanço?
A grande preocupação deste triénio, e até um bocadinho mais, recuando aos oito ou nove meses antes das eleições, quando substituí o Dr. João Almeida, foi a recuperação financeira e reestruturação do Clube. Apesar das limitações financeiras, ainda foi possível fazer algumas coisas, como por exemplo dotar o “Vicente Lucas” de um piso sintético, o que mesmo nos tempos em que havia dinheiro não tinha sido feito. Vamos aproveitar a final da Liga dos Campeões feminina para pintar o Estádio. Outras melhorias passam pelo restaurante Manzarra, que trouxe uma qualidade e movimentação engraçadas a esta zona. Durante o mês de Maio irá abrir um restaurante enorme, com cerca de 500 ou 600 metros quadrados, a Sinfonia, onde era o antigo Barriguitas, do lado da Bancada Nascente.

Consigo na liderança ou com uma nova Direcção, quais considera ser as traves-mestra do triénio que se avizinha, 2014-2017?
Se no primeiro triénio tratámos da recuperação financeira e reestruturação do Clube, o próximo terá de ser um passo em frente. Tal só poderá ser dado através da requalificação do Complexo do Restelo, a nova cidade do Belenenses, como decidimos chamar-lhe. Muito dificilmente o foco para os próximos anos poderá ser outro, seja qual for a Direcção.

O que se poderá publicitar como sendo um factor diferenciador do Belenenses perante os demais clubes, para o jogador que pretenda uma formação de qualidade?
Nos dois últimos anos tem sido feito um trabalho de grande qualidade, principalmente nos escalões etários mais baixos. A pouco e pouco, iremos procurar estender esse élan até ao topo da formação. Aí é que a época tem corrido mal nos resultados, em particular com os juvenis, mas acredito que os frutos surgirão já na próxima época, com os iniciados “A”. Hoje, o Belenenses tem condições para captar atletas que percebam que, tirando Benfica e Sporting, para mais com a sua formação fora de Lisboa, o Belenenses é um pólo de forte atracção, com condições excelentes para o treino, mais ainda com a requalificação do Complexo e as parcerias do Clube, e treinadores de qualidade.

E para os formadores, o que se lhes poderá oferecer de especial, perante a concorrência?
As contrapartidas financeiras são reduzidas, mas hoje em dia isso não é só no Belenenses, tirando dois ou três nos demais é o mesmo. Não é por aí, mas sim pelas condições de trabalho, bons campos e os melhores atletas. Ainda hoje falei com um possível treinador do futebol juvenil para a próxima época que me valorizava esses pontos, nos quais estamos focados.

Numa conferência recentemente realizada este mês, em Lisboa, um dos temas abordados foi o recrutamento de atletas estrangeiros para as camadas de formação e o impacto que isso tem ou poderá vir a ter nos trabalhos das selecções. Que pensa disso?
É um tema complicado. Por um lado há a tendência em falar na globalização, de que a nacionalidade pouco interessa, etc. Na prática acaba por não ser assim, porque as Selecções Nacionais têm de emanar do que é a formação. Há que haver algum cuidado. Não quero com isso dizer que não devesse haver atletas estrangeiros na formação, mas sim ter algum doseamento de modo a garantir que as equipas que apresentamos nas Selecções sejam competitivas. Não apostar no futebolista português é também um contra-senso dada a qualidade que este demonstra, ao nível dos melhores do mundo.

Reportando ainda a essa conferência, o treinador dos juniores do Benfica, João Tralhão, disse a certa altura: “os clubes não têm paciência. Opta-se por descriminar jovem com talento e potencial, em detrimento de um jovem para rendimento.” Esta falta de paciência, a pressa dos resultados, vive-se também na formação do Belenenses?
Um pouco, e em todo o lado, mas também aí há que saber dosear as coisas e perceber quando vale a pena apostar em jovens com talento e potencial, embora sem poderem dar um máximo de rendimento porque se encontram numa fase precoce da sua evolução. Por outro lado, especialmente nas equipas que competem nos escalões nacionais, e quer queiramos, quer não, os resultados contam.

Pilar da sustentabilidade dos clubes e única hipótese destes terem nos seus plantéis jogadores de qualidade, ouve-se falar muito na importância da formação, mas considera mesmo que esta é devidamente valorizada?
Deveria ser mais. É possível fazer muito mais, dado o potencial enorme do jogador português. Estamos longe de ter o limão espremido. Há que pensar também que muitos clubes têm grandes dificuldades em investir na formação e depois há os que o fazem e vêm os seus melhores atletas serem captados por clubes com outras condições, de modo que não é fácil. Mas o facto é que mesmo os grandes do futebol português têm uma realidade financeira longe dos grandes da Europa. Uma vez que nesse capítulo não se pode competir com um Real Madrid, Bayern de Munique, Barcelona, Chelsea ou Manchester United, a resposta terá de ser baseada numa aposta na formação.

Algo de que se não ouve falar tanto, tema tabu, é a questão da real idade de certos jogadores da formação. Deveria a FPF tomar medidas, por exemplo, promovendo testes, nos casos em que haja dúvidas?
É um tema delicado. Por um momento, vamos assumir que isso aconteça. Que critério deveria seguir a Federação para fazer testes a um jogador e não os fazer depois a outro? Isso das dúvidas é subjectivo. Só se se promovessem testes a todos, o que me parece utópico.

E quanto à competição actual nos diferentes escalões, tal como organizada pela AFL ou FPF, acha-a adequada, ou gostaria de sugerir melhorias?
O que vou dizer não se prende directamente com o futebol formação, mas sim com o profissional. As razões são parecidas.
Há dois anos, quando ainda era Presidente da SAD do Belenenses, levantei a questão de que a Segunda Liga, mais cedo ou mais tarde, teria de ser dividida em duas zonas. Na altura, ninguém quis pensar nisso. Dois anos volvidos, teremos essa realidade em vigor para a próxima época. As dificuldades financeiras dos clubes farão com que se caminhe obrigatoriamente num sentido de regionalizar ao máximo as competições, especialmente as não-profissionais, concentrando-as geograficamente. Já foi feito algo nesse sentido, e bem, com o Campeonato Nacional de Seniores e as suas oito séries de dez equipas. A Federação foi até onde podia ir, mas nas competições distritais, estas sob a égide das Associações, é possível fazer mais. Nomeadamente, no caso da Associação de Futebol de Lisboa, faria mais sentido ter uma única divisão, com muitas séries, em vez das quatro actuais, com uma fase final para a qual se apurariam os melhores de cada série. Com uma maior concentração geográfica poupar-se-ia nos custos das deslocações e criar-se-iam mais derbies regionais entre clubes de localidades próximas e rivais, com mais público e um interesse acrescido pelo futebol.
No caso das equipas de formação, fará assim tanto sentido levar miúdos de 12 anos a fazer 50 ou 60 quilómetros, para irem jogar a Torres Vedras numa fase normal do Campeonato? Julgo que não, mesmo nos casos em que os pais aligeirem a sobrecarga para o Clube, deslocando-se com os atletas, mas sempre são custos que poderiam ser evitados se se optasse por menos divisões, no máximo duas, e uma maior concentração geográfica das equipas.