Durante décadas, o “quarto de hora à Belenenses” foi uma imagem de marca do nosso clube, símbolo de arreganho, de vontade de lutar e vencer, de superar adversidades, de transcender-se quando as coisas estavam a correr mal, de nunca quebrar nem se conformar. Cruzavam-se os incentivos do público azul com o derradeiro e titânico esforço dos nossos jogadores. Lembremos que até o Campeonato Nacional de 1946 foi assim conquistado, quando, no último jogo, em Elvas, se recuperou a desvantagem, que nos impediria do título, para a transformar numa vitória por 2-1. A fama desses quartos de hora à Belenenses foi tal que, posteriormente, por despudor ou ignorância, outros se têm tentado apropriar desse nosso glorioso símbolo.

O primeiro desses “quartos de hora” aconteceu logo no primeiro dos nossos jogos com o Benfica. A perder por 1-0, o Belenenses, nos últimos quinze minutos, deu a volta ao jogo e ganhou 2-1.

Na data que hoje referimos, foi outra vez o Benfica (curiosamente o nosso próximo adversário) a ceder perante o espírito indomável do Belenenses de então. Tratava-se de uma partida respeitante ao Campeonato de Lisboa – competição, na época, de extraordinária importância. O Benfica era o visitado e, a um quarto de hora do fim, ganhava por 4-1. O jogo parecia decidido. Com ânimo heróico, porém, a equipa do Belenenses não se deu por vencida: reduziu para 2-4, depois para 3-4. Porfiou ainda com mais tenacidade, lutando contra o cansaço e o valor do adversário, e conseguiu o empate: 4-4. Satisfeitos? Não! Aquele Belenenses não tinha limites na sua ambição, no seu ânimo triunfador. Continuou a atacar, até que, mesmo no último minuto, um defensor encarnado travou um dos nossos avançados em falta. Grande penalidade!

A quem caberia assumir a responsabilidade de marcar? A decisão foi tomada pelo grande Augusto Silva: apontou para o mais jovem dos nossos jogadores, com 18 anos recém-completados, que nesse dia fazia a estreia na equipa principal, e indicou “Marcas tu!”. Atónito, o jovem, reverente perante o grande capitão, perguntou: “Eu, Senhor Augusto?!”.

O autor da pergunta, e logo de seguida do golo que deu ao Belenenses a vitória por 5-4, foi José Manuel Soares – o Pepe!

Nesse dia memorável, tivemos um duplo ponto de partida: o Belenenses ficou mais perto de ganhar esse Campeonato de Lisboa, e inscrever pela primeira vez o seu nome entre os vencedores de provas oficiais (confirmou-o com um triunfo sobre o Vitória de Setúbal, duas semanas mais tarde). Iniciou assim o nosso Clube um octénio de ouro, conquistando 3 Campeonatos de Portugal e 4 Campeonatos de Lisboa.

Por seu lado, Pepe principiou uma fulgurante carreira que o consagrou como o melhor jogador Português da sua época e a primeira grande lenda do Futebol Luso. Infelizmente, os seus consecutivos sucessos – ao serviço do Belenenses ou da Selecção Nacional – foram tragicamente interrompidos em Outubro de 1931, ao sofrer a morte por envenenamento, um verdadeiro drama para o jovem jogador, de alma azul e de ouro, para a sua família e para o Clube de Futebol os Belenenses, de que se tornou símbolo perene.

JMA